“Quando se fala em cidadania, o que me vem à mente é a lembrança de toda essa jornada que os nossos antepassados fizeram para que nós estivéssemos aqui. Se a gente pensar no começo da colonização no Brasil, vemos que durante muitos séculos as pessoas viviam da sua maneira, e também da maneira que os seus antepassados tinham ensinado para eles, em comunhão com a natureza, e, muito do que temos hoje, na nossa fauna é o resultado dessa vivência, da relação com o humano.” A indígena e cantora Djotana Xambé do Rio de Janeiro, que faz parte do povo Puri Teyxokawa, acredita que ainda é preciso lutar para garantir o reconhecimento da cidadania dos indígenas, mesmo, hoje, 33 anos depois da promulgação Constituição Cidadã, assim chamada pelo avanço que trouxe no campo dos direitos e garantias fundamentais.
Em 5 de outubro de 1988, o Brasil vivia um momento histórico: a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil há mais de 3 décadas, portanto. Principal símbolo do processo de redemocratização nacional.
Por conta disso, em 2010, o dia 5 de outubro passou a ser, por força da Lei nº 12.267, o Dia Nacional da Cidadania, data criada para relembrar nossos direitos e deveres e da nova ordem social, então inaugurada.
Djotana relembra que, mesmo com a Constituição garantindo que os indígenas fossem e sejam considerados como cidadãos, ainda é necessário lutar por isso.
“Na verdade os direitos dos indígenas foram uma conquista. Que as pessoas entendam o que é cidadania : respeitar, enquanto indivíduos, enquanto parte dessa terra, de igual para igual, respeitando cada um na sua individualidade e na sua particularidade, já que nosso povo é tão diverso. Nossos antepassados lutaram para serem reconhecidos enquanto seres humanos, mas já chegamos nesse momento de ter que lutar pelo direito de existir nessa terra e ser considerado como cidadão dessa terra. É muito importante a gente lembrar essa jornada, pois não tem como falar de cidadania e da busca por ela hoje, sem olhar para trás e ver o tanto de luta que nossos parentes tiveram para serem reconhecidos como cidadãos com direito de ingressar numa universidade, de acessar o conhecimento sem esquecer a ciência antiga, a ciência tradicional, a ciência dos encantados e a ciência da natureza. É poder olhar para o todo, pois, muitas vezes, as pessoas acreditam que nós vamos deixar de ser indígenas se a gente for estudar outra cultura, outro povo; se a gente tiver um celular, um carro. Muitas vezes as pessoas acham que nós iremos deixar de ser quem somos, mas isso não acontece no inverso. O não-indígena pode ter o conhecimento de vários povos e culturas, diversas tradições, mas se nós indígenas tivermos, muitos, com pensamentos colonizadores,, acham que nós iremos deixar de ser quem somos. A nossa luta é para que a gente tenha acesso às informações, ao conhecimento geral do que está acontecendo no mundo, direito à tecnologia e ser respeitado enquanto indígena. Cidadania é igual a respeito”.
Para o Procurador do Ministério Público do Trabalho de Pernambuco (MPT/PE), Leonardo Osório Mendonça, “Não existe cidadania pela metade”. Ele fala sobre a importância desse dia para sociedade.
“O Dia da Cidadania é importante para que toda população reforce uma luta diária em busca de maior cidadania, maior respeito, maior dignidade em busca da fruição de todos os direitos por toda e qualquer pessoa. Todos tem um papel importante e essencial para que a sociedade, como um todo,incluindo os povos originários, quilombolas, indígenas, que todas as pessoas tenham acesso à cidadania plena, porque não existe cidadania pela metade, então o direito à informação, direito à moradia, onde os direitos constitucionais básicos sejam respeitados, devem ser garantidos a todos. Devemos nos preocuparmos na fruição dos direitos de toda e qualquer pessoa, não existe cidadania, não existe fruição de direitos se algumas pessoas em nosso país tiverem algum tipo de violação na sua dignidade, no respeito a seus direitos. É importante que todos se engajem na luta pelos direitos das minorias, é fundamental que todos entendam que essa luta também é de cada um de nós para que possamos cobrar o poder público”.
Já Silvio Campos Silva, que faz parte da Liderança do Quilombo de Galeão, Cairu-BA, ressalta o quanto é fundamental ser um cidadão participativo.
“Cidadania nos remete à questão de cidadão, é o direito desde que existe uma Constituição, a do Brasil é de 1988, sendo ela a Carta Régia de como vai funcionar a sociedade que ali está. É o princípio de direitos e deveres dos cidadãos, os quais eles têm que cumprir. Então, dentro desse questionamento de cidadania, se compreende e se tem acesso à educação, e um seio familiar que, de certa forma, tem princípios, valores, regras, princípios básicos para entender a cidadania. Muitos pecam pela ignorância e não tem esses princípios. Se as pessoas não tiverem essa oportunidade caberia ao estado, no que lhe concerne, oferecer, mas, infelizmente, no caso do Brasil, o nosso estado que deveria ser pai, é padrasto, sendo o primeiro a falhar. Então, o cidadão, para que ele se torne uma pessoa participativa, produtiva, ele tem que estar apoiado em um tripé, que é a sociedade onde ele está inserido, o estado e principalmente a família, dentro desse tripé que se forma o cidadão”.
O indígena, Bruno Henrique reflete sobre a importância e o respeito que se tem que ter com os indígenas quando se fala em garantir direitos a todos.
“O direito à cidadania é fundamental aos povos indígenas, e a toda população em geral, garantindo a sua presença nas universidades, escolas, hospitais, mercado de trabalho, sem discriminação, nem perseguição. Os povos indígenas devem ser respeitados de acordo com suas crenças, hábitos e costumes. Nenhum indígena deve sofrer ameaça ou discriminação. As escolas possuem o papel fundamental de garantir a todos os estudantes a importância dos povos indígenas para o nosso país. A nossa preocupação constante, é com o meio ao qual vivemos, o direito à água, energia, educação, alimentação, saúde, moradia, vida, cultura e ao lazer. Preservar os povos indígenas é preservar a vida no nosso planeta!”.
Diversa não é a preocupação dos povos e comunidades tradicionais de terreiro de religiões de matriz africana para os quais a relação com a natureza e sua ancestralidade é essencial para preservação da sua história, cultura, religiosidade e saberes. Para eles, como ressalta a Subprocuradora-geral do Trabalho e Egbon de Xangô, Edelamare Melo, o respeito à sua identidade e pertencimento é uma dívida do Estado. “Embora tenha adotado a laicidade como princípio, o estado, de fato, deste princípio descura, como descura do princípio da igualdade – no seio do qual se insere a equidade- ao permitir nas suas estruturas o racismo religioso, que aparta este segmento social da fruição plena da cidadania e do direito fundamental à sua liberdade de crença e culto, como constitucionalmente assegurados.”
O Àwúre, projeto de iniciativa do Ministério Público do Trabalho(MPT), da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), está junto nessa luta para garantir condições dignas e respeito para todes os cidadãos desse país.