O Grupo de Trabalho “Povos Originários, Comunidades Tradicionais e Periféricas” é vinculado à Coordenadoria Nacional de Combate ao Trabalho Escravo e ao Tráfico de Pessoas” do Ministério Público do Trabalho e foi instituído em 2018, e reinstituído em 2021 pela Portaria nº 1189.2022, do Procurador-geral do Trabalho, estando vinculado à Coordenadoria Nacional de Combate ao Trabalho Escravo e ao Tráfico de Pessoas (CONAETE).
Com a edição da Resolução nº 230, de 8 de Junho de 2021, e da Resolução 454, de 22.4.2022, do Conselho Nacional de Justiça, que disciplinam, respectivamente, a atuação do Ministério Público Brasileiro e da Magistratura junto aos povos originários e comunidades tradicionais o GT possui os seguintes objetivos gerais:
- Implementar, no Ministério Público do Trabalho, a Resolução nº 230, de 8.6.2021, do Conselho Nacional do Ministério Público, que disciplina a atuação ministerial de todos os ramos do Ministério Público brasileiro junto aos povos e comunidades tradicionais.
- Capacitar os(as) membros e membras para a atuação judicial em defesa dos direitos humanos fundamentais dos povos originários e comunidades tradicionais observando as prescrições da Resolução 454 de 22 de abril de 2022, do Conselho Nacional de Justiça, que estabelece diretrizes e procedimentos para efetivar a garantia do direito de acesso ao Judiciário de pessoas e povos indígenas, que, por analogia, também se aplica aos demais povos e comunidades tradicionais; e 299/2019 sobre as especificidades de crianças e adolescentes pertencentes a povos e comunidades tradicionais, vítimas ou testemunhas de violência
A Resolução 230/2021/CNMP disciplina a atuação do MPT na promoção dos direitos humanos e fundamentais dos povos originários e comunidades tradicionais deve pautar-se na promoção do respeito pela identidade, diversidade e pluralismo dos povos originários e dos povos e comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas, de religiões de matriz africana, ribeirinhas), assegurando o respeito, à dignidade humana e suas liberdades, por meio da definição de estratégias e planos de ação, com ênfase na valorização da identidade social, cultural, costumes, tradições e religiosidade, ancestrais, pluralista e sem preconceitos.
Neste sentido não é demais lembrar alguns considerandos da Resolução 230/ 2021 do CNMP, que fornecem o arcabouço teórico-normativo para a atuação ministerial em defesa dos direitos humanos fundamentais dos povos e comunidades tradicionais, portanto, também, aos povos e comunidades tradicionais de terreiro, senão vejamos:
Considerando que a Constituição Federal destaca o pluralismo político (art. 1º, V) como fundamento da República e não hierarquiza os modos de vida dos grupos sociais que compõem a sociedade brasileira, o que enseja o cenário para a efetivação do diálogo intercultural;
Considerando que o diálogo intercultural pressupõe o respeito e o reconhecimento jurídico de cosmovisões, práticas e identidades, sem essencialismos ou predefinição, por terceiros ou pelo Estado, o projeto de vida a ser seguido por indivíduos ou grupos;
Considerando que a Constituição Federal estabelece um conjunto de medidas a serem observadas para assegurar a igualdade e o respeito à pluralidade dos povos e comunidades tradicionais, como se depreende dos arts. 215, 216, 231 e 232, além do art. 68 do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias;
Considerando que tais artigos devem ser entendidos como um sistema de proteção constitucional dos povos e comunidades tradicionais, de modo a assegurar a efetivação dos direitos fundamentais desses grupos e irradiar efeitos para todo o ordenamento;
Considerando o dever do Ministério Público de defender os direitos dos povos e comunidades tradicionais, por conta da previsão contida no art. 129, V, da Constituição Federal e do sistema constitucional acima mencionado;
Considerando que a filtragem constitucional e intercultural deve permear a análise das relações sociais que envolvem povos e comunidades tradicionais, sobretudo quanto aos institutos clássicos do Direito Civil, como posse e propriedade;
Considerando que essa perspectiva está em consonância com a legislação internacional sobre a matéria, notadamente a Convenção nº 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), internalizada por meio do Decreto nº 5.051/2004, e a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais da UNESCO, internalizada pelo Decreto nº 6.177/2007 e consolidada pelo Decreto nº 10.088/2019;
Considerando que, nesse contexto, deve ser realçado o teor da Declaração Americana e da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que preveem o direito à autodeterminação e direito de buscar livremente o seu desenvolvimento econômico, social e cultural;
Considerando a necessidade de leitura constitucional e intercultural da Lei nº 6.001/1973 (Estatuto do Índio) e o disposto na Lei nº 13.123/16, que trata da proteção do patrimônio genético e dos conhecimentos tradicionais, além do acesso e repartição de benefícios dos conhecimentos tradicionais;
Considerando o teor do Decreto nº 6.040/2007, que institui a política nacional de desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais;
Considerando que os povos e comunidades tradicionais são diversos, a serem identificados com base no conceito acima descrito, de modo que a enumeração de grupos possui caráter meramente exemplificativo, devendo as singularidades de cada povo ou comunidade ser reconhecida a partir de sua autoidentificação;
Considerando, nesse sentido, que já possuem assento no Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais diversos grupos, tais como povos indígenas, comunidades quilombolas, povos e comunidades de terreiro/povos e comunidades de matriz africana, povos ciganos, pescadores artesanais, extrativistas, extrativistas costeiros e marinhos, caiçaras, faxinalenses, benzedeiros, ilhéus, raizeiros, geraizeiros, caatingueiros, vazanteiros, veredeiros, apanhadores de flores sempre vivas, pantaneiros, morroquianos, povo pomerano, catadores de mangaba, quebradeiras de coco babaçu, retireiros do Araguaia, comunidades de fundos e fechos de pasto, ribeirinhos, cipozeiros, andirobeiros e caboclos (art. 4º, § 2º, do Decreto nº 8.750/2016);
Considerando a necessidade de respeito ao patrimônio cultural imaterial das comunidades, grupos e indivíduos previsto na Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da UNESCO;
Considerando que a luta global contra o racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata e todas as suas abomináveis formas e manifestações é uma questão de prioridade para a comunidade internacional, nos termos da Declaração e Programa de Ação de Durban;
Considerando o dever de prevenção do genocídio e de outras atrocidades massivas, que é responsabilidade do Estado brasileiro por força da Convenção para a Repressão do Crime de Genocídio (art. VIII), internalizado pelo Decreto nº 30.822/195
Portanto, tendo em vista o marco teórico-e normativo referidos pela Resolução n. 230/ 2021 do CNMP, o foco da atuação ministerial, para além da promoção ao fomento de políticas públicas que assegure aos membros e membras dos povos originários e comunidades tradicionais o direito de existir e exercer suas liberdades fundamentais – inclusive religiosa – com acesso a serviços públicos de qualidade livres de preconceito, racismo e discriminação, é, também, a promoção de ações de prevenção e enfrentamento a estas graves violências por meio de capacitações a eles dirigidas para empoderamento de seus direitos humanos e fundamentais e formas de garantir o seu pleno exercício, campanhas de sensibilização social – a exemplo da campanha veiculada pelo GT “Violência não combina com fé”- e capacitações de agentes dos sistema de garantia de direitos – incluindo o Ministério Público do Trabalho.
Sobre a atuação do Ministério Público como promotor de políticas públicas confira-se o que dispõe o art. 7º da Resolução 230/2021 do CNMP:
Art. 7º A elaboração, a implementação e o monitoramento de políticas públicas no território devem ser realizados junto aos Municípios, Estados e União, sem qualquer distinção, cabendo ao Ministério Público zelar pelo respeito à territorialidade, à autonomia dos grupos e às suas especificidades socioculturais.
§ 1º A instauração de expediente destinado a monitorar o acesso às políticas públicas pelas comunidades tradicionais, bem como a intervenção do membro do Ministério Público para a efetivação dos direitos fundamentais dessas coletividades independe da finalização do processo de regularização dos respectivos territórios.
2º A atuação em prol de políticas públicas demanda prévio diálogo com o grupo, na forma do art. 4º, podendo abranger diversos temas, como saúde, educação, acesso a água, transporte escolar, trabalho, proteção social, energia elétrica, entre outros.
Também dispõe a Resolução sobre a necessidade de orientação das unidades do Ministério Público quanto ao atendimento dos povos e comunidades tradicionais, estabelecendo diretrizes a serem observadas. Para este fim, faz-se necessária capacitações, tanto mais quando as estruturas do Ministério Público reproduzem as estruturas da sociedade brasileira marcadas pelo racismo estrutural e institucional, inclusive religioso. Sobre o tema dispõe o artigo 2º da Resolução 230/2021, do CNMP
Art. 2º Os órgãos do Ministério Público deverão orientar as suas unidades quanto ao atendimento dos povos e comunidades tradicionais e à recepção em suas instalações físicas com base nas seguintes diretrizes:
I – respeito à autoidentificação de pessoa ou grupo como representante de povo ou comunidade tradicional;
II – atenção às especificidades socioculturais dos grupos e flexibilização de exigências quanto a trajes, de modo a respeitar suas formas de organização e vestimentas, bem como pinturas no corpo, adereços e símbolos;
III – priorização do atendimento presencial e da recepção nas unidades, devendo o atendimento remoto ocorrer em circunstâncias excepcionais, devidamente motivadas, devendo ser oferecidas à pessoa atendida as condições necessárias para apresentar suas demandas;
IV – respeito à língua materna e garantia de mecanismos para a tradução ou interpretação das demandas.
Os artigos 3º e 4º da referida Resolução tratam da autoatribuição de identidade e do diálogo intercultural, estabelecendo que cabe ao Ministério Público zelar para que o Poder Público não exerça qualquer discriminação e promova o regime jurídico que dela decorre, que passa pela realização concreta dos princípios da igualdade e da equidade, o que não ocorre pelo aparelhamento do estado por segmentos econômicos, sociais e religiosos sectários e fundamentalistas, que não aceitam a diversidade inerente à nação brasileira no seu processo de formação histórica.
Confira-se as disposições da Resolução 230/CNMP antes referidas:
Art. 3º A atuação do Ministério Público junto aos povos e comunidades tradicionais se pautará pela observância da autonomia desses grupos e pela construção de diálogo intercultural permanente, de caráter interseccional.
§ 1º A autoatribuição de identidade como povo e comunidade tradicional deve ser respeitada pelo Ministério Público, cabendo ao órgão atuar e zelar para que o Poder Público não exerça qualquer discriminação e promova a efetivação do regime jurídico que dela decorre.
§ 2º O Ministério Público deve garantir o respeito à autoatribuição por parte dos órgãos e instituições incumbidos da promoção de políticas públicas destinadas aos povos e comunidades tradicionais.
Art. 4º O diálogo intercultural deve abranger os princípios da informalidade, presença física e tradução intercultural.
§ 1º A informalidade consiste na aproximação e no estabelecimento de vínculos com os povos e comunidades tradicionais da área de atuação do órgão, por meio de uso de linguagem acessível e informação clara acerca de suas atribuições, bem como escuta permanente sobre as demandas dos grupos.
§ 2º A presença física corresponde à adoção de uma rotina periódica de visitas aos territórios para o acompanhamento de demandas e apresentação de informações, sem prejuízo da realização de reuniões na sede do órgão para a mesma finalidade ou casos urgentes.
§ 3º A tradução intercultural consiste na adoção dos meios necessários para facilitar o diálogo e permitir a compreensão da linguagem ou dos modos de vida dos grupos, valendo-se, quando necessário, de intérpretes, da antropologia e de outras áreas do conhecimento para a identificação de especificidades socioculturais dos grupos.
Sobre a imprescindibilidade da consulta livre, prévia e informada, prevista na Convenção 169 da OIT, a Resolução impõe ao Ministério Público o dever de viabilizá-la. Veja-se a respeito o que dispõe seu artigo 5º:
Art. 5º O Ministério Público deve viabilizar a observância do direito à participação dos povos e comunidades tradicionais e a necessidade de consideração efetiva dos seus pontos de vista em medidas que os afetem.
§ 1º A diretriz fundamental de participação consiste na garantia do direito à consulta prévia, livre e informada aos povos interessados nos casos específicos em que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;
§ 2º A ausência de consulta prévia enseja a nulidade de processos e procedimentos, cabendo ao Ministério Público zelar pela sua observância, por meio do respeito aos protocolos de consulta elaborados pelos grupos e pela cobrança de sua aplicação junto ao Poder Público.
Para cumprir os deveres postos a Resolução estabelece a que os ramos do Ministério Público deverão criar estruturas específicas para a atuação junto aos povos e comunidades tradicionais, que, ao nosso sentir, não devem ter caráter efêmero, mas permanente, como já ocorre nas estruturas do Ministério Público Federal, com a criação da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão, ou a Defensoria Pública da União. Neste sentido dispõe o artigo 9º:
Art. 9º. Os ramos do Ministério Público deverão, mediante prévia análise das condições estruturais de suas unidades e prévio diálogo intercultural, implementar coordenações, grupos de trabalho e núcleos destinados ao estudo, à atuação coordenada e ao aprimoramento do trabalho dos membros na atuação junto os povos e comunidades tradicionais.
Parágrafo único. Os ramos do Ministério Público poderão organizar encontros anuais com os povos e comunidades tradicionais, nos moldes estabelecidos pela Recomendação CNMP nº 61, de 25 de julho de 2017, de forma a permitir a escuta dos grupos e estabelecer um planejamento institucional de atendimento a eles.
Finalmente, cumpre ressaltar que, desde 2018, o Ministério Público do Trabalho implementa referida prescrição, por meio da realização do 1º Simpósio Nacional “Negro/a, Quilombola, Religioso/a de Matriz Africana: Preconceito, Racismo e Discriminação nas Relações de Trabalho, Produção e Consumo”, tendo sido criado o primeiro Grupo de Trabalho em 2019, então vinculado à COORDIGUALDADE. Em 2019, foi realizado o 2º Simpósio Nacional e o 1º Internacional “Negro/a,Quilombola, Religioso/a de Matriz Africana: Preconceito, Racismo e Discriminação nas Relações de Trabalho, Produção e Consumo. Da Ancestralidade ao Futuro”. Em 2019 o GT foi extinto no âmbito da COORDIGUALDADE e criado no âmbito da CONAETE, dada a vulnerabilidade de referido segmento social à exploração das piores formas de trabalho, em especial ao trabalho infantil, exploração sexual e trabalho em condições análogas ao escravo, que afetam de sobremaneira os povos originários.