O Dia da Consciência Negra é celebrado há mais de 50 anos. Sua história se inicia no movimento de jovens negros do antigo e referencial Grupo Palmares, que se reuniram na data, em 1971, no centro da cidade de Porto Alegre para debater e questionar a legitimidade da data de 13 de maio – data da assinatura da Lei Áurea– como data de celebração para o povo negro, com a princesa Isabel exaltada como “redentora dos escravos”. A sugestão foi de que a data referencial mudasse para o dia 20 de novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares, dando, de fato, uma data que destacava o protagonismo da luta dos escravizados pela liberdade e pelo direito à dignidade.
Avanços e desafios
Apesar de alguns avanços sociais conquistados pelo movimento negro ao longo dos últimos anos, como a maior inclusão dessa população em diversos espaços que antes eram ocupados quase que exclusivamente por brancos, ainda há muito o que avançar quando observamos a insurgência de movimentos e episódios que visam subjugar homens e mulheres negras.
Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o registro de casos de racismo no Brasil cresceu 68% em 2022. Esse aumento do número de casos e denúncias de práticas de racismo e de injúria racial nos mostra que há muito o que conquistar no que tange ao combate à discriminação racial. Com maior acessibilidade a aparelhos celulares com câmeras e outros dispositivos similares, vemos mais casos sendo denunciados e expostos, tornando pública a violência diária à qual a população negra é submetida. Essa violência histórica, psicológica e física, ainda está enraizada em todas as esferas da nossa sociedade.
Herança de um passado escravagista recente – o Brasil foi o último país do continente americano a abolir a escravidão –, o racismo ainda é latente para a população negra brasileira, que representa mais da metade do país (56%, segundo o IBGE). A escravidão persistiu como principal forma de trabalho no Brasil durante o período em que o país foi colônia de Portugal e também no período de pós-independência. Por mais de 300 anos, o trabalho escravo permaneceu como base da economia brasileira, sendo abolido somente em 13 de Maio de 1888, através da Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel. Mesmo com o fim da escravidão, não houve um planejamento nem a criação de políticas públicas para promover a inserção social do povo negro, que permaneceu marginalizado na sociedade brasileira, sem serem reconhecidos como cidadãos. Salvo algumas raras exceções, não se pode ter acesso à educação, a bons empregos e a moradias seguras, condições básicas de existência.
Hoje, a violência étnica contra o povo negro é fortalecida por uma parcela da sociedade. No Brasil, isso fica evidente cotidianamente, na grande diferença na forma com que são afetadas as populações negras em questões de segurança pública.
Segundo dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a população negra é mais violentada no Brasil. A pesquisa mostra que a cada 7 assassinatos no país, 5 deles são de pessoas afrodescendentes. A análise destaca ainda que, associada ao fator socioeconômico, a cor da pele é a principal influência na probabilidade de um indivíduo sofrer homicídio.
No Brasil, apesar de não existirem dados que comprovem que os negros cometam mais crimes que os brancos, é a população negra que sofre a maior vigilância por parte da polícia e é a mais propensa a sofrer agressões policiais e punições. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostraram que a população encarcerada é majoritariamente negra. Em 2022, havia 442.033 negros encarcerados no país, ou 68,2% do total das pessoas presas – o maior percentual já registrado, o que escancara o racismo estrutural até mesmo no sistema prisional brasileiro.
Outro estudo realizado pelo Ipea afirma: “O negro é duplamente discriminado no Brasil, por sua situação socioeconômica e por sua cor de pele. Tais discriminações combinadas podem explicar a maior prevalência de homicídios de negros em relação ao resto da população”.
É por isso se que fazem tão necessárias políticas públicas voltadas para a proteção e inserção social dessa população, como as cotas raciais e socioeconômicas e mais rigidez nas leis que amparam os negros e negras em casos de violências racistas. Esse ano tivemos alguns avanços conquistados através da representatividade, com a criação do Ministério da Igualdade Racial, comandado por Anielle Franco; da proteção, com o endurecimento da pena para os crimes de injúria racial; e da inclusão, com a atualização da Lei de Cotas. Este mês, o governo pretende lançar mais um pacote de medidas, envolvendo a promoção dos direitos da população negra e quilombola quanto ao acesso à terra, infraestrutura e qualidade de vida e redução no índice de violências e homicídios contra jovens negros no país.
Neste 20º Dia da Consciência Negra é certo que o caminho a ser percorrido em direção à igualdade de todos, como previsto na nossa Constituição, ainda é longo. Mas também fica claro que a luta antirracista é essencial para avançarmos na construção de uma sociedade mais inclusiva, diversa e plural. Esse é o caminho para o fim do racismo: o respeito, a luta, o reconhecimento e a celebração da cultura afro-brasileira.