Projeto desenvolvido pela OIT, em parceria com a Associação GAP EY, beneficiou 17 famílias indígenas, com respeito ao saber ancestral e à alimentação tradicional do povo Paiter Suruí
Povo Paiter Suruí na aldeia Gãpgir. Foto: Jonne Wagner
Brasília – O povo Paiter Suruí vive aldeia Gãpgir, localizada em Cacoal, a cerca de 489 quilômetros da capital de Rondônia, Porto Velho. Para os Paiter Suruí, as folhas das bananeiras têm uma função agroecológica nas roças comunitárias e tradicionais. É sob a sombra dessas árvores frutíferas que eles cultivam tubérculos como batata, batata doce, cará e inhame, legumes que lhes garantem certa autonomia na produção de alimentos para consumo próprio e para comercialização do excedente da produção.
Mas no início de 2020, os Paiter Suruí se viram em uma situação de insegurança alimentar. Isoladas física e socialmente por causa da pandemia da COVID-19, muitas famílias na aldeia enfrentavam a falta de alimentos e de material de higiene, e não conseguiam produzir alimentos suficientes.
Nessa época, a comunidade já tinha deixado de cultivar alguns alimentos tradicionais na dieta indígena local, como amendoim e cará, por não terem equipamentos e insumos disponíveis para trabalhar a roça.
Joaton Pagater Suruí, coordenador de campo do projeto. Foto: Jonne Wagner
“Dependíamos da cidade para comprar parte da nossa comida, insumos e equipamentos para o trabalho nas roças e também para vender alguns produtos como café e castanha. Após muitas reflexões e discussões de como seria nosso trabalho para sobrevivermos em meio a essa pandemia, chegamos à conclusão de que deveríamos investir toda nossa energia e trabalho em projetos que garantem nossa soberania alimentar e deixem a floresta em pé, para frear a questão das mudanças climáticas que já nos atinge drasticamente.”, disse Joaton Pagater Suruí, coordenador de campo do projeto.
“Nós não tínhamos como sair para comprar o que comer. Foi quando o (projeto) Soberania Alimentar chegou para nós e pudemos plantar nossa comida tradicional, como mandioca e banana. Foi muito importante para nós, porque, com o projeto, nós voltamos a plantar e a trazer produtos que já estavam se perdendo”, relembra Robson Yabnoyãam, presidente da Associação GAP EYSuruí.
Assim teve início o projeto Soberania Alimentar, implementado pela OIT, em parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Associação GAP EY, que beneficiou 80 pessoas indígenas de 17 famílias ao longo de dois anos, com respeito à cultura dos indígenas da aldeia e a alimentação tradicionalmente cultivada.
A escuta social e a consulta prévia nortearam as ações do projeto. Foto: Jonne Wagner
O princípio
O ponto de partida para o projeto foi a escuta social e a consulta prévia aos indígenas Paiter Suruí para planejar as ações, como previsto na Convenção nº. 169 da OIT . O projeto foi estruturado com base no conceito de soberania alimentar, que parte do princípio de que um povo livre e soberano precisa de autonomia para produzir e comercializar localmente seus alimentos, um conceito que vai além da segurança alimentar.
Em meados de 2020, durante a pandemia, o projeto Soberania Alimentar começou a ser implantado, com o propósito de atender o que a comunidade indígena mais queria: direito à soberania alimentar, uma forma de assegurar a produção de alimentos por meio da agroecologia, com respeito à floresta, à vida, à cultura local e à justiça social.
“Com apoio da OIT, não somente o apoio financeiro, mas a forma que trabalham conosco, nos respeitando culturalmente e nos consultando sempre sobre como queremos os projetos, tivemos a chance de nos organizar novamente investindo nas roças e alimentos tradicionais, e ampliando nossa produção e escoando nossos produtos gerando renda para comunidade.’, disse Joaton.
Foto: Jonne Wagner
A realização
Entre 2020 e 2022, o projeto atuou em várias frentes coordenadas e complementares, aliando tradição, cultura e inclusão digital.
Uma das frente foi a aquisição de equipamentos e insumos e apoio para que os indígenas trabalharem nas roças tradicionais e comunitárias, produzindo alimentos para consumo próprio de acordo com sua tradição alimentar. O excedente das plantações, como a castanha, café, amendoim, mandioca e banana, além do mel orgânico, foi comercializado, para possibilitar a geração de renda para as famílias.
Ao todo, 18 pessoas indígenas receberam capacitação, em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) para trabalhar na apicultura na extração de própolis e para ampliar a produção de mel. Também foram comprados equipamentos de proteção individual (EPI ‘s) para atividades de apicultura, insumos para manutenção do galinheiro comunitário e um veículo para o transporte dos produtos produzidos até os locais de comercialização.
Foto: Jonne Wagner
Outra frente de ação foi investir em formas de manter a floresta em pé, por meio de uma cadeia produtiva que a sustente, conserve a e não degrade a natureza. Isso é feito com o manejo do solo e o monitoramento do território. Foi realizado um estudo do solo para aprimoramento dos modos de cultivo de alimentos tradicionais e duas oficinas de treinamento com 36 indígenas da aldeia Gãpgir, em parceria com uma consultora ambiental contratada pela Associação indígena.
Como iniciativa de inclusão digital, o projeto trouxe a conexão de internet para a comunidade e tem buscado incentivar o uso de tecnologias de comunicação.
Os resultados
Em mais de dois anos, a comunidade aumentou e diversificou a produção agrícola e dinamizou o trabalho nas roças.
Foto: Jonne Wagner
As famílias da aldeia Gãpgir conseguiram aumentar a produção de 12 alimentos de 10% para 80%, além de voltar a produzir alimentos tradicionais como amendoim, cará e outros tipos de banana. Também foi introduzida a criação de galinha poedeira. Atualmente, 18 roças familiares e uma roça comunitária são cultivadas de forma tradicional.
Com a aquisição de equipamentos, como sacaria e material para produção de estufa e seladora para a secagem e comercialização, o valor de venda da castanha passou de R$2,50/quilo, para R$6,50/quilo, um aumento de 160%. Além disso, os indígenas viram a renda das famílias aumentar 114,22%, passando de R$ 1.800,00/ano para R$ 3.856,00/ano, por família.
O café produzido na aldeia ganhou um novo mercado potencial. A cooperativa COOPAITER-Cooperativa Paiter produziu um microlote especial do café orgânico Paiter. Em 2021, o café ficou entre os 10 melhores cafés no concurso “Tribos”, concorrendo com grãos produzidos por mais de 800 cooperados da COOPAITER- Cooperativa Paiter na Terra Indígena Sete de Setembro/RO e por cafeicultores do restante do estado de Rondônia.
Os resultados são comemorados com orgulho pelos Paiter, não só por causa dos números, mas pelo compartilhamento dos conhecimentos adquiridos com outras aldeias da terra indígena Sete de Setembro.
Membros da comunidade mostram equipamento usado na apicultura. Foto: Jonne Wagner
“Ajudamos outras aldeias e eles gostaram muito porque estavam passando necessidade também. Eles também receberam ferramentas e puderam fazer os galinheiros deles”, disse Robson, explicando que além das 18 famílias da aldeia Gãpgir, outras 17 famílias das aldeias Gasereg, Betel e Pãyamah também foram beneficiadas. Ao todo, cerca de 200 pessoas foram beneficiadas pelo projeto.
“Nós fizemos oficinas aqui na nossa aldeia e representantes de outras aldeias vieram aqui participar. Nós produzimos mel de excelente qualidade e depois das oficinas, as outras aldeias querem agora produzir mel também. Alguns indígenas são aliciados por madeireiras, se tornam vítimas, e vendo o que estamos fazendo aqui, eles viram que é possível produzir alimentos e renda dentro de nossas tradições”, disse Alexandra Borga Suruí, coordenadora de projetos da Associação Gap Ey.
O que está adiante
Em 2023, atendendo a um pedido dos Paiter Suruí , o projeto Soberania Alimentar entrou em uma nova fase, que busca, dentre outras iniciativas, viabilizar a certificação do mel produzido na aldeia Gãpgir, capacitar a juventude por meio de oficinas para auxiliar na preservação das tradições e na comunicação por meio do uso das tecnologias e das redes sociais, para divulgar o que eles fazem e produzem.
“Outra iniciativa é o apoio ao trabalho de artesanato indígena feito pelas 20 mulheres Paiter da aldeia Gãpgir, por meio da aquisição de materiais. Também vamos incentivar a utilização desses alimentos tradicionais na culinária indígena, e ver como elas podem atuar na gastronomia para fomentar o etnoturismo, que é um tipo de turismo no qual os visitantes conhecem de perto a vida, os costumes, a culinária e a cultura de um determinado povo, principalmente dos indígenas’, disse Diego Calixto, oficial Nacional de Projetos do Escritório da OIT no Brasil.
Artesanato também ajuda a melhorar a renda das família. Foto: Jonne Wagner
“O artesanato indígena contribui para melhoria da renda das famílias na aldeia e a economia criativa funcionou como resistência, inserção social e econômica da mulher indígena Paiter Suruí.”, acrescentou.
Calixto acrescentou que como o Soberania Alimentar tem o apoio da Funai, um parceiro governamental,” isso pode possibilitar que esse modelo seja reproduzido em outras terras indígenas no futuro como uma política pública”.
O Soberania Alimentar foi implementado pela OIT em parceria com a Associação GAP EY e com apoio da Entidade Autárquica de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Rondônia (EMATER/RO), da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e das empresas Forest Trends.
O Projeto Soberania Alimentar contribui para que o Brasil alcance dos seguintes Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030: ODS 2 (Fome zero e agricultura saudável ); 8 (Trabalho decente e crescimento econômico ); 10 (Redução das desigualdades ); 12 (Consumo e produção sustentáveis ); 15 (Vida terrestre ) e 17 (Parcerias e meios de implementação ).