Em petição dirigida ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Barroso, na noite desta terça-feira (23), a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), principal organização indígena do país, apontou que o Ministério da Defesa não providenciou, ao longo de 2023, o apoio necessário à operação de retirada dos garimpeiros e de socorro aos indígenas da Terra Indígena Yanomami. Segundo a entidade, isso contraria as diretrizes contidas no decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em janeiro de 2023.
“É passível de conclusão, portanto, que o Ministério da Defesa se recusa a acatar as diretrizes presidenciais de oferecer o apoio logístico adequado na Terra Indígena, pois, por mais que a AGU [Advocacia Geral da União] colacione os marcos jurídicos expedidos pelo Executivo, que instaurou uma situação de emergência na terra indígena Yanomami, com intuito de demonstrar a este Juízo que medidas estão sendo adotadas para sanar a situação de penúria dos povos indígenas, tais marcos legais não encontram aderência dentro do próprio governo”, diz a petição da APIB, assinada pelo coordenador jurídico da entidade, Maurício Terena, no bojo da ADPF 709 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental).
No decreto assinado por Lula na sequência da declaração de emergência sanitária na terra indígena, foi atribuído às Forças Armadas, na figura do Ministério da Defesa, o papel de dar o apoio logístico necessário aos diversos órgãos envolvidos na retirada dos garimpeiros e no socorro aos indígenas, como o Ibama, a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e o Ministério da Saúde.
A APIB citou como exemplos negativos a recusa da Defesa em corrigir cerca de 50 pistas de pouso que ajudariam na operação Yanomami, o retardamento da distribuição de cestas básicas, que levou ao perecimento de alimentos, as falhas no controle do espaço aéreo que permitem a manutenção da infraestrutura dos garimpos ilegais e a recente retirada de um posto de suprimento de combustíveis dentro do território.
A Articulação dos Povos Indígenas disse que monitorou o comportamento das Forças Armadas desde o início da operação e que informou ao STF, ainda no ano passado, “sobre a gravidade dos gargalos enfrentados pela operação e sobre como a insuficiente atuação das Forças Armadas na região potencializa o grave quadro que se sustentava na Terra Indígena Yanomami”, passado um semestre da declaração de emergência sanitária declarada pelo governo Lula.
“Nos meses que se seguiram, acompanhamos os desdobramentos da operação de desintrusão, com especial atenção à atuação das Forças Armadas. Em agosto de 2023, protocolamos nestes autos uma robusta manifestação (Petição 90224/2023) com dados obtidos via Lei de Acesso à Informação que confirmavam as recorrentes denúncias de que as Forças Armadas agiam de modo a dificultar – quando não literalmente sabotar – as ações empreendidas pelo governo federal”, informou a APIB.
“Em ofícios trocados entre Ministério dos Povos Indígenas, Funai e Forças Armadas, restou claro que o último órgão apresentou, desde o início da operação, enorme resistência em cooperar com as ações de ajuda humanitária, principalmente no fornecimento de estrutura para que as cestas de alimentos fossem entregues em áreas remotas e de difícil acesso e no fechamento do espaço aéreo da Terra Indígena Yanomami”, apontou a APIB.
A entidade indígena afirmou ainda que o Comando da Aeronáutica tem se recusado a compartilhar os levantamentos que estão em seu poder a respeito da circulação de aeronaves na Amazônia, incluindo a terra Yanomami.
A APIB afirma que também informou ao STF sobre “(i) a aproximação violenta de invasores a aldeias dos indígenas isolados Moxihatëtëa, na Serra da Estrutura; (ii) a existência de um banco de dados da Aeronáutica sobre voos ilegais na Amazônia, cuja divulgação poderia suprir os reiterados pedidos de produção de relatórios sobre a circulação no espaço aéreo da Terra Indígena Yanomami, mas que vem sendo mantido em sigilo, apesar de sua relevância pública para o êxito da operação; e (iii) a retirada de estrutura da Força Aérea Brasileira da referida terra indígena, que teve como resultado a paralisação das operações de desintrusão por falta de acesso a combustível”.
Segundo a APIB, “o controle do espaço aéreo, tema recorrente nas manifestações por nós juntadas aos autos desta ADPF, é um dos principais problemas a ser sanado para o êxito da operação. A despeito do alerta e do amplo conhecimento sobre o papel fundamental do controle aéreo para o enforcamento da logística garimpeira, há falhas por parte da Aeronáutica que permitem o abastecimento dos principais garimpos ilegais no interior da Terra Indígenas, a exemplo dos organizados nas região de Surucucu e Auaris – onde também estão localizados Pelotões Especiais de Fronteira o Exército”.
Em resposta às perguntas da Agência Pública sobre a petição da APIB, o Ministério da Defesa mencionou os mesmos números que tem distribuído à imprensa nos últimos dias.
“Desde o início da força-tarefa do Governo Federal, em janeiro de 2023, o apoio logístico das Forças Armadas em auxílio aos Yanomami resultou na distribuição de cerca de 766 toneladas de alimentos e materiais transportados, o que ultrapassou a marca de 36,6 mil cestas de alimentos distribuídas. Além disso, foram realizados 3.029 atendimentos médicos e 205 evacuações aeromédicas. Já nas ações de combate ao garimpo ilegal, os militares detiveram 165 suspeitos, entregues aos órgãos de segurança pública. Para as ações foram empregados, aproximadamente, 1.400 militares da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. O esforço aéreo somou cerca de 7,4 mil horas de voo, o que equivale a mais de 40 voltas na Terra.”
Procurado pela Pública, o Comando da Aeronáutica informou, por meio da assessoria de comunicação, que “o monitoramento em regiões de Terras Indígenas Yanomami (TIY) foi intensificado em 2023 por meio da ativação da Zona de Identificação de Defesa Aérea (ZIDA) sobre o espaço aéreo sobrejacente e adjacente à TIY, a fim de incrementar as ações de repressão ao garimpo ilegal”.
“A ZIDA permanece ativada e os sobrevoos previstos estão autorizados, desde que seja preenchido o plano de voo regulamentar e seguidas as regras de tráfego aéreo, além das observações técnicas disponíveis a todos os tripulantes, em especial os NOTAM (Aviso aos Aeronavegantes) G2260/23 e G2261/23”, disse a Aeronáutica.
A Aeronáutica disse ainda que conta “por meio do Comando de Operações Aeroespaciais (COMAE), com a atuação da aeronave E-99, um vetor que ajuda a detectar objetos no nível do mar ou voando em baixas altitudes, e ainda, capaz de realizar uma varredura do ambiente, de cima para baixo, sem chances de pontos cegos onde outros aviões possam se esconder”.
“Além disso, a FAB também atua com a cobertura de radares de solo. Já no contexto de defesa aérea, quando uma aeronave é classificada como suspeita, os caças da FAB são acionados para realizar a interceptação.”
“O Comando da Aeronáutica também reitera que não deixou de aplicar as Medidas de Policiamento do Espaço Aéreo (MPEA) na TIY, nem tampouco de interceptar qualquer tráfego suspeito, quando assim foi caracterizado, reforçando, por fim, o comprometimento com a missão de manter a soberania do espaço aéreo e integrar o território nacional.”
A Aeronáutica, perguntada duas vezes, não se manifestou até o momento sobre a questão do banco de dados dos voos irregulares na Amazônia.
Fonte: https://apublica.org/nota/defesa-nao-acata-diretrizes-de-lula-na-operacao-yanomami-aponta-entidade-indigena/