Assim que Ellen Oléria começou a interpretar a canção Zumbi (1974), música que iniciou a live Diálogos Àwúre, ficou evidente a potência e afinação da voz da cantora.
Zumbi dos Palmares foi um líder quilombola brasileiro, sendo um dos pioneiros na luta em combate a escravidão na América. O último dos líderes do Quilombo dos Palmares, maior dos quilombos do período colonial.
Na música cantada na live por Oléria, que tem como compositor Jorge Ben, Zumbi é homenageado e narrado como um símbolo da resistência ao martírio africano nas fazendas de açúcar, café e algodão.
“Zumbi é senhor das guerras/ É senhor das demandas/ Quando Zumbi chega/ É Zumbi é quem manda”.
Em seguida a subprocuradora-geral do Ministério Público do Trabalho (MPT), Edelamare Melo, chamou a atenção para a importância do mês de maio.
“Esse é o mês em que se celebra o dia do trabalhador, mas também é o dia em que você fala de um trabalhador que até hoje é violado em sua dignidade, e é preferencialmente o trabalhador negro. Então é uma data que precisa ser ressignificada, não como uma data de abolição a escravatura, pois ainda convivemos com a escravidão contemporânea, mas ressignificar como um espaço de resistência que até hoje precisa ser ocupado, pois sem trabalho o homem não tem dignidade, e isso vem sendo esquecido. O mês de maio também é importante por ser focado em campanhas de prevenção e enfrentamento a exploração das piores formas de trabalho infantil, entre elas a exploração sexual de crianças e adolescentes. Quero lembrar que uma luta de resistência que temos no Estado da Bahia, é o Bembé do mercado que reproduz há 72 anos o momento que houve a chamada “abolição da escravatura” e que completou, esse ano, 132 anos, sendo a ressignificação do dia 13 de maio, na cidade de São Francisco do Conde (BA), que tem o dia da religião de matriz africana. Ressalto também que o Àwúre nasceu para exatamente buscar uma forma de inclusão social dos seguimentos dos povos originários, das comunidades tradicionais, quilombolas, de terreiro, ribeirinhas e periféricas com respeito a sua ancestralidade, religiosidade, cultura e aos seus saberes. Nisso ele difere, por estar em várias partes do território nacional, que em breve terá ainda uma plataforma do Àwúre Educa/ Àwúre Capacita sendo uma rede, onde cada pessoa que se agrega e que está conosco no Canal Àwúre, vem para formar essa rede”.
Logo após a subprocuradora falou sobre as questões de trabalho para as comunidades tradicionais.
“Nós procuramos o lugar de fala de cada um dos segmentos, nós não concebemos nenhuma proposta de trabalho junto à comunidade indígena sem que a comunidade indígena diga para nós o que é trabalho para ela e qual o seu significado. Sabemos que conceito de trabalho da comunidade indígena é diferenciado, ele é o seu dia a dia, e não tem as amarras do conceito de trabalho do plano ocidental, ele é uma educação para a vida. Então, nas comunidades quilombolas também não difere”.
“As pessoas pensam que nós vivemos no passado, quando falam de quilombolas, muitos ainda não tem conhecimento dessas comunidades. E nós acabamos explicando nossas raízes e só assim para eles entenderem. É de suma importância que as pessoas conheçam nossa identidade”, afirma a representante da Associação da Comunidade dos Remanescentes de Quilombo Cruz da Menina, Bianca Cristina.
Já o ministro do Tribunal Superior do Trabalho(TST), Claudio Brandão comentou sobre o atual momento do país em relação ao combate ao trabalho escravo contemporâneo. No Brasil, desde 1995, mais de 55 mil trabalhadores foram resgatados de condições de trabalho análogas à escravidão.
“A situação atual do combate ao trabalho escravo no Brasil, não difere da que estamos vivendo atualmente. Um país onde as lideranças insistem em desrespeitar as suas instituições, onde a desigualdade é permanente e cresce cada dia mais, um país onde os direitos humanos é sempre visto como algo que merece um certo repúdio de determinados seguimentos da sociedade. É falar de liberdade na sua mais completa manifestação. Tem momentos em que todos os que cultivam ideias de igualdade, liberdade, empatia sentimos como se tivéssemos falando em um mundo diferente e para pessoas diferentes”.
Em seguida, a discussão foi sobre intolerância religiosa dentro e fora do ambiente de trabalho.
“Mesmo que tenhamos a constituição federal que é a nossa carta magna, que nos protege falando que o Estado é laico, no inciso VI- é inviolável a liberdade de consciência e de crença, e no inciso VIII- ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política. Então nós, povos de terreiro, pessoas iniciadas em religião de matriz africana, ainda sofremos muito com a intolerância que, na verdade é um racismo religioso. Ainda que se dê o apoio para as pessoas que sofram discriminações nós ainda não vemos os agressores serem devidamente punidos pela lei. É necessário se fazer muitas revisões na nossa legislação para garantir a nossa liberdade de culto e crença da nossa religião”, disse a integrante da Rede de Mulheres de Terreiro da Bahia, Ìyá Márcia D’ọ̀gún.
O ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Augusto César Carvalho, também convidado da live, também falou sobre o assunto.“O racismo estrutural contamina mentes e comportamentos de gerações sucessivas com preconceito contra minorias étnicas. Não raro, se percebe que a pessoa discriminada por intolerância é a mesma que além de professar um ofício religioso que não é de contentamento de certa hegemonia social, ou classe hegemônica, mas também ela é pobre, ela é mulher… E está sofrendo por razões da cultura racista, machista, sendo estrutural e forte na nossa sociedade. Não por acaso, a intolerância é maior especificamente relacionada às religiões de matrizes africanas, isso significa que, de algum modo, esses espaços de vulnerabilidade conversam entre si e isso é o que faz com que não nos descolemos dessa característica da nossa sociedade. O problema da intolerância é a tolerância, é a indiferença a alguns comportamentos, algumas condutas e caminhos estruturais que se preservam na nossa sociedade e que são extremamente nocivos”, afirma o ministro.
O advogado Trabalhista e Sindical, Dr. Luís Camargo falou sobre a importância da “Lista suja do trabalho escravo”, que é divulgada pelo governo e traz os nomes de empregadores envolvidos em denúncias de trabalho escravo contemporâneo e os resultados que se consegue através da sua divulgação.
“Não gosto de chamar de lista suja e sim lista cristalina, pois mostra exatamente todas as empresas que mantiveram trabalhadores em condição análoga a de escravos, ou seja, exploram os trabalhadores, sejam pessoas físicas ou pessoas jurídicas. Essa ferramenta é excepcional, pois pretende fazer com que o dinheiro público não seja usado para financiar escravocrata moderno, e era isso que vinha acontecendo. O dinheiro dos bancos públicos era utilizado pelos escravocratas modernos para manter os trabalhadores sob uma exploração análoga a de escravo. Então a chamada lista suja nos auxilia por dar publicidade ao Estado para seus atos, identificando pessoas físicas e jurídicas que mantêm trabalhadores sob exploração, e mostra que o estado está agindo e combatendo essa vergonha, esse crime que o trabalho escravo contemporâneo”.
O relatório Implementando a Convenção nº 169 de Povos Indígenas e Tribais da OIT: Em direção a um futuro inclusivo, sustentável e justo, mostra os povos indígenas geralmente sofrem com más condições de trabalho e discriminação.
Segundo o relatório, comparado a 66% dos povos não-indígenas, mais de 86% dos povos indígenas do mundo trabalham na economia informal, geralmente associada a más condições de trabalho e à falta de proteção social.
Apresentando um panorama, a oficial técnica em Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho/OIT, Thaís Faria comentou sobre a importância da convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre os povos indígenas e tribais.
“Toda convenção é uma legislação internacional e quando essa convenção é ratificada por um país, ela passa ser um tratado internacional vinculante. A convenção 169 é de 1989, e ela foi ratificada pelo Brasil em 2002, significa que hoje ela é uma legislação vinculante para o Governo brasileiro. O país periodicamente tem que fazer seus relatórios em relação ao cumprimento dessa convenção. Tem um dado que mostra que 86% indígenas no mundo trabalham na economia informal, esse dado mostra o quão é importante relacionar o tema com o mundo do trabalho e a garantia de trabalho decente. Outro dado relevante é que 47% de todas as pessoas indígenas que trabalham não têm a educação básica, outros dados que se pode destacar é de que se nós fizéssemos um recorte que mostra que as populações indígenas no mundo são as que mais estão em situação de pobreza, e que grande parte desse contexto de pobreza se dá pela situação de trabalho precário e quando falamos em trabalho precário é englobando todas as condições, sejam eles na zona rural ou na zona urbana, pois as pessoas têm o direito de decidir onde elas vão trabalhar, ou onde querem trabalhar em relação a sua escolaridade e isso não tira sua identidade, isso é importante ressaltar, pois, a convenção 169 existe para preservar a identidade e para reconhecer que existe especificidade e que deve ser protegido o direito no Brasil para essas populações”.
Sobre a urgência para que o trabalho decente chegue a todas e todos a ministra do TST Delaíde Miranda Arantes comentou o que impede o país em avançar sobre isso.
“Do ponto de vista formal, nós temos a Constituição Federal, temos diversas convenções da Organização Internacional do Trabalho, temos a CLT, mas o trabalho decente no Brasil ainda não podemos dizer que ele foi implementado. Nós temos no Brasil uma situação que dos quase 90 milhões de trabalhadores, 72% ganham até dois salários mínimos. O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, então a desigualdade é um dos fatores impeditivos da implementação do trabalho decente”.
A busca pelo trabalho decente é também uma busca do Àwúre, projeto realizado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Fundo das Nações Unidas Para a Infância (UNICEF), que busca promover o respeito pela identidade, diversidade e pluralismo de comunidades tradicionais, incluindo povos indígenas, negros, ribeirinhos, quilombolas e de praticantes das religiões de matriz africana, para combater a discriminação, a intolerância e o racismo.
Buscando ampliar o conhecimento da sociedade sobre o assunto, o tema da live Dialogos Àwúre de maio, mês em que se comemora o Dia do Trabalhador, foi “Desafios no Trabalho, Resistência e Lutas”, abordando os desafios na realidade dos indígenas, quilombolas, adeptos de religiões de matriz africana, ribeirinhos e também pessoas que vivem em periferia.
O Canal Àwúre, que faz parte do projeto, foi lançado em novembro de 2019. É um importante espaço aberto para denúncias e é usado para o fortalecimento dessas comunidades.
Você pode e deve denunciar situações assim de trabalhos análogos a escravidão. Os canais são: o disque 100, o site do Ministério Público do Trabalho ou no aplicativo MPT Pardal e tem também o Sistema Ipê.
Para acessar a live, que está disponível no YouTube, basta clicar no link.