“Então você é o homem da relação”, “Se você me der uma chance te faço mulher”, “Nossa, mas você nem parece ser lésbica”, “.Então, você acha que mulher não precisa de homem?” “Você só é lésbica porque nunca me ‘experimentou’.” Afirmações, perguntas, e comentários como esses feitos por colegas de trabalho e até por chefes. Sim, ainda são comuns.
Luzineth Muniz Pataxó, educadora e ganhadora do prêmio Iniciativa Culturais Indígenas de 2007, foi a primeira lésbica assumida na comunidade dela (pataxó Hãhãhãe, na Bahia) e na época ela conta que sofreu muita discriminação. “Quando eu e minha companheira fomos em uma lanchonete, eu ouvi um comentário de que eu era uma senhora, tinha 45 anos quando assumi essa relação, e deveria ter vergonha de agora gostar de mulher. Todo tipo de comentário machuca muito, viu”. Como professora e educadora, a indígena decidiu lutar contra essa discriminação “. A partir do momento que minha família me acolheu, eu tive mais força para lutar contra os preconceitos”

A atendente Rayelly Ralc, comenta como reagiu ao sofrer preconceito no ambiente de trabalho por conta da sua orientação sexual.
“No momento eu não soube reagir por vim de homens. E como só tinha eu de mulher só consegui ficar calada e sair do local, até mesmo por medo do que poderia acontecer”.
Rayelly ainda sente necessidade de falar para as pessoas coisas que ela acredita que deveriam ser óbvias. “Não, não queremos ser homens, só queremos poder amar outra mulher. Não, não é falta de homem para nos fazer virar mulher, pois nunca deixamos de ser. Essa data, o Dia da Visibilidade Lésbica, é necessária para chegarmos futuramente a um respeito como outras causas que já estão avançadas”.

O Brasil reconhece desde 1996 o dia 29 de agosto como o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica. Já o 19 de agosto é o Dia Nacional do Orgulho Lésbico. Agosto é um mês de destaque na luta por representatividade e combate à lesbofobia no Brasil, onde também é lembrada a existência da mulher lésbica, as violências sofridas por elas e as pautas que o movimento reivindica.
A rapper Mana Black conhece bem as violências, na maioria das vezes gratuitas. “Já sofri preconceito na rua mesmo. Principalmente quando estou com minha namorada em algum lugar público. Os olhares e comentários, sabe?! Me lembro agora de dois acontecimentos: Estávamos saindo de um shopping de mãos dadas, um homem parou e disse: “Mulher com mulher não pode hein”. Fora já ter ouvido comentários como: “Pego as duas”. Completa Mana. “Às vezes a gente só queria sair de forma natural, tranquila, sabe! Mas aí tem que vestir uma armadura mesmo, porque já sai com aquela ansiedade de que algo vai acontecer. É cansativo!”

Falando sobre as datas de agosto, Mana Black comenta sobre o silenciamento que ocorre. “São extremamente necessárias essas datas! Cansamos de ser silenciadas, de ter nossas vivências e histórias apagadas pela branquitude hetero cisnormativa. É importante promover representatividade e visibilidade lésbicas celebrando a pluralidade de nossas vozes. Celebrar nossas existências e amores para inspirar outras gerações. Nossas histórias são muito poderosas e inspiradoras!”.
Mesmo que se lute anos contra a discriminação, cenas de preconceito e casos envolvendo violência não são episódios raros no cotidiano dessas mulheres. Por definição, lesbofobia é a intersecção entre a homofobia e o sexismo sofrido pelas mulheres lésbicas e bissexuais. Dar voz a essas mulheres, que, além de enfrentarem o preconceito por sua sexualidade, encontram em seu caminho também a misoginia, o machismo, a imposição social criada pela figura materna e o apagamento dentro da militância LGBTQIA+, é fundamental em todas as áreas, inclusive no ambiente de trabalho.

Sandra Lia Simon, subprocuradora-geral do Trabalho e Vice-coordenadora do Eixo Transversal Gênero, Identidade de Gênero e Orientação Sexual nos Povos Originários e Comunidades Tradicionais, fala como denunciar a discriminação no trabalho. “O Brasil é um país estruturado no patriarcado. Por isso é extremamente machista, sexista, misógino. Todas as pessoas que não se encaixam no padrão cis heteronormativo-binário acabam por ser discriminadas. Certo é que muitos direitos foram conquistados para a comunidade LGBTQIA+, mas a mentalidade em geral ainda é muito preconceituosa. Por isso, infelizmente, é comum a existência de discriminação no trabalho em virtude da orientação sexual, pelo fato da pessoa não se enquadrar no modelo que se decidiu considerar o escolhido dentro da sociedade patriarcal. Essa discriminação por conta da orientação sexual é ainda mais forte quando se trata de mulheres, pessoas negras, pessoas com deficiência, pessoas trans. O Dia da Visibilidade Lésbica é um dia de luta, que serve para trazer à tona essa situação de preconceito e discriminação. Toda mulher que se sentir prejudicada por conta de sua orientação sexual pode procurar o Ministério Público do Trabalho, pessoalmente, por meio do site ( https://www.mpt.mp.br) ou do aplicativo pardal”

A Oficial Técnica em Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho da OIT, Thaís Faria, comenta sobre como a orientação sexual pode interferir no mundo do trabalho das mulheres lésbicas e o que elas podem fazer caso sofram alguma discriminação.” O mundo do trabalho é um espelho da organização social, ele é composto pelas mesmas pessoas, então, normalmente reflete tanto as questões positivas e os avanços, quanto os problemas e as exclusões. No caso especificamente quando estamos falando das mulheres lésbicas, existe uma dupla ou tripla discriminação que aumenta e que afeta ainda mais a participação delas no mercado de trabalho, tanto a entrada, como uma permanência e ascensão”. Thaís Faria fala que o preconceito pode começar já nas entrevistas de emprego com pessoas que não estão preparadas para a diversidade perguntando, por exemplo, “Como é o nome de seu marido?”. Além disso, no ambiente de trabalho, muitas mulheres lésbicas acabam excluídas pelos(as) colegas por causa da orientação sexual e aí há uma soma de discriminação. “São as mulheres que sofrem ainda mais discriminação, então essa discriminação vai se somando, por ser mulher, por ser lésbica, por ter uma forma de expressão externa e pública que é mais associada historicamente e culturalmente ao mundo masculino. Então, toda vez que você sai daquele padrão historicamente construído, existe uma reação muito grande tanto da sociedade de maneira geral e obviamente do mercado de trabalho”. Thaís complementa: “Lidar com essas questões é falar sobre essas questões, é importante que se fale sobre isso no local de trabalho, que as pessoas estejam preparadas e que inclusive os mecanismos e as construções sejam revistas, a forma de você abordar, a forma de se fazer uma pergunta, a forma de você se relacionar, parar de pressupor coisas com relação à realidade das outras pessoas faz com que o ambiente seja mais livre e mais aberto”
O projeto Àwúre, iniciativa do Ministério Público do Trabalho, Organização Internacional do Trabalho e UNICEF Brasil, entende que trazer a tona essa discussão é levar para diferentes lugares e para o maior número possível de pessoas a necessidade de respeitar e acolher essa diversidade, de dar legitimidade e desenvolver formas de relação, de vivência e respeito pela diversidade.