Mais de 5 milhões de crianças e adolescentes estavam sem acesso aos estudos no Brasil até o fim do ano de 2020. Os dados são do relatório “Cenário da Exclusão Escolar no Brasil – um alerta sobre os impactos da pandemia da Covid-19 na Educação”, lançado em abril de 2021 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) em parceria com a Cenpec Educação. O relatório mostrou ainda que quatro em cada dez dessas crianças têm de 6 a 10 anos, a faixa etária mais afetada pela exclusão escolar. Os dados apontam também para um retrocesso. O Brasil, com a pandemia, chegou ao fim de 2020 com dados semelhantes ao início dos anos 2000.

De acordo com Verônica Bezerra, especialista em educação do UNICEF, um dos efeitos mais graves da pandemia no campo da educação tem sido a exclusão escolar. “O UNICEF publicou, recentemente, o estudo sobre os impactos da pandemia da COVID-19 na educação. 5 milhões de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos não tiveram acesso à educação no Brasil. Com isso, o país corre o risco de regredir duas décadas indo na direção contrária ao avanço que vinha sendo alcançado, lentamente. Só na Bahia, 844 mil crianças e adolescentes tiveram seu direito negado’’, declara a especialista.
Antes da pandemia, no Brasil inteiro, crianças e adolescentes sem oportunidades de educação, somavam um número bem menor do que o atual. Em 2019, havia quase 1,1 milhão crianças e adolescentes em idade escolar obrigatória fora da escola no Brasil. A maioria eram de crianças de 4 e 5 anos (384 mil) e adolescentes de 15 a 17 anos (629 mil). Na faixa etária de 6 a 14 anos, eram 82 mil.
O relatório de 2020 mostra, também, que a exclusão afetou mais quem já vivia em uma situação de maior vulnerabilidade. Crianças e adolescentes de 6 a 17 anos sem acesso à educação estão mais no Norte (28,4%) e Nordeste (18,3%), em seguida estão as regiões: Sudeste (10,3%), Centro-Oeste (8,5%) e Sul (5,1%). A exclusão foi maior entre crianças e adolescentes pretos, pardos e indígenas, que correspondem a 69,3% do total de crianças e adolescentes sem acesso à educação.

Para o Subprocuradora-geral do Ministério Público do Trabalho (MPT), Edelamare Melo, o impacto da pandemia na educação de jovens e adolescentes acaba por aumentar ainda mais as desigualdades, um abismo que parece não ter fim. “Se a gente parar pra analisar, a população que mais sofre é a mesma de sempre. É o jovem que já não tem acesso e que vê sua situação só piorar. As mães solteiras desempregadas que fazem de um tudo para driblar essa situação muito triste que abate os mais vulneráveis. O retorno às aulas é crucial, assim como a vacinação de toda população. Essas mães saem pra trabalhar e muitas vezes não têm com quem deixar seus filhos, muitas delas nem voltam para casa, para elas não houve isolamento. O MPT através de suas ações e parcerias tenta constantemente mudar essa realidade, mas a caminhada é muito longa”, destaca Edelamare.
O relatório do Unicef também mostra que 3,7 milhões estavam matriculados, mas não tiveram acesso a atividades escolares e não conseguiram se manter aprendendo em casa. Com as escolas fechadas tudo isso afetou de forma mais grave os que já viviam uma educação, aliás, uma vida mais difícil, os chamados vulneráveis.
O UNICEF, buscando reduzir esses impactos, oferece apoio a estados e municípios para realizar a busca ativa escolar, reabrir as escolas em segurança, promover o acesso à internet e garantir o direito de aprender a cada menina e menino.
Junto com o MPT e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o UNICEF participa da realização do Àwúre que atende parcelas da população vulneráveis à exploração das piores formas de trabalho, com especial destaque nessas comunidades para os benefícios que podem ser levados para as crianças, adolescentes e jovens. Atualmente, o Àwúre beneficia 60.224 pessoas de povos indígenas, negros, quilombolas, ribeirinhos, moradores de comunidades periféricas e praticantes das religiões de matriz africana em 6 estados brasileiros (Bahia, Amapá, Tocantins, Pará, Acre e Roraima).
Na Bahia, a Plan International Brasil é uma parceira do Àwúre. Para Elaine Amazonas, gerente de projetos da Plan International na Bahia, o necessário fechamento das escolas durante a pandemia é fundamental no sentido de não dar continuidade a transmissão do vírus, mas por outro lado ele traz sérios impactos para a vida das crianças e adolescentes. “Para muitas delas e deles a escola não é apenas um espaço de construção de conhecimento, as escolas se constituem, muitas vezes, como espaços de convivência, lazer e principalmente um espaço de proteção. É a escola que garante a segurança alimentar e nutricional. É a escola que garante seus direitos. É a escola que muitas vezes percebe violações e faz os encaminhamentos necessários”.

Elaine diz ainda que o Àwúre e suas articulações são um importante instrumento para mudar a situação atual. “O Àwúre tem pontuado com os adolescentes a necessidade de dar continuidade ao processo de escolarização, mesmo entendendo todas as dificuldades. Essa é uma das formas desses adolescentes e jovens alcançarem a mobilidade social. E na outra ponta, nas formações com a rede de proteção, também temos pontuado muito a necessidade de que a rede se articule para pensar nas estratégias para esse retorno, não sendo apenas uma responsabilidade da educação, mas também uma responsabilidade da assistência social, uma responsabilidade de todos e todas envolvidos(as) da sociedade”.