“Eu tive meu primeiro filho quando tinha 16 anos, meu marido já tinha 18 na época. Se eu pudesse voltar atrás, teria meu filho novamente, mas não com 16 anos. Foi muito duro, muito difícil criar ele”. Maria Eduarda Aparecida da Silva Santos tem 36 anos e a sua realidade é um ciclo que já perdura há algumas gerações. Sua avó materna teve seu primeiro filho aos 13 anos, e foram 4 até os 18! Sua mãe aos 15. Sua irmã, Maria Antônia, também aos 15.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), gravidez na adolescência é considerada quando ocorre entre os 10 e 19 anos de idade. Tida como uma gestação de alto risco, as dificuldades não são apenas decorrentes de problemas biológicos que podem acontecer tanto para a mãe quanto para o recém-nascido. A gravidez nesta faixa etária traz também problemas sociais e psicológicos para as mães e familiares.
“Eu tinha que trabalhar, minha família não tinha condições de me ajudar. Mas quem ia querer uma menina nova, com um filho no colo pra trabalhar? Ainda mais empregada doméstica, sem carteira assinada. Eu passei por muita coisa, muita coisa mesmo”, desabafa Maria ao lembrar do que passou trabalhando em “casas de família”.
Quando pensamos em adolescência, logo nos vem em mente um período de constantes mudanças no corpo.A gravidez na adolescência altera várias vidas, principalmente do ponto de vista emocional e financeiro, de adolescentes e suas famílias. O principal fator para a gestação na adolescência é ligado a desinformação sobre sexualidade e direitos sexuais. Questões emocionais, psicossociais e contextuais também contribuem, inclusive para a falta de acesso à proteção social e ao sistema de saúde, incluindo o uso inadequado de contraceptivos, como comprimidos, DIU e preservativos.
“Teve uma época que me chamaram pra trabalhar em Salvador, mas quando cheguei lá, eu ficava trancada em casa, não podia sair porque não conhecia ninguém e trabalhava sem receber um centavo. Meu filho estava com minha irmã nessa época. Eu só fui pra lá por que eu precisava trabalhar, mas se não tivesse dado um jeito de sair de lá, eu ia tá lá até hoje, como aconteceu com minha mãe.”, lembra Maria, que por muito pouco não foi vitima de trabalho escravo doméstico.
As meninas negras são as que possuem maior porcentagem de gravidez na adolescência no Brasil. São, geralmente, pobres, com pouca instrução, desamparadas pela sociedade que falha na proteção dessas adolescentes. Elas são também as principais vítimas de estrupo, segundo dados divulgados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). A pesquisa revelou que mais da metade das vítimas de estupro é de crianças e adolescentes negras (50,9%), do sexo feminino (81,8%) e com até 13 anos (53,8%).
Segundo o relatório sobre a Situação da População Mundial do UNFPA (Fundo de populações das Nações Unidas ), o Brasil tem uma taxa gestacional geral baixa, de 1,7 filhos por mulher, se comparada à média mundial, que é de 2,5. Mas se analisada a gestação na adolescência, o país está acima da média mundial: são 53 grávidas a cada mil adolescentes, enquanto a média mundo é de 41. No caso das meninas com menos de 15 anos que engravidam, a vulnerabilidade a diversos tipos de violência, incluindo a sexual, deve ser considerada e muitas vezes, essas meninas acabam sendo vítimas de uniões precoces e forçadas.
Recentemente, o Governo Federal realizou consulta pública sobre prevenção da gravidez na adolescência. As opiniões e sugestões recebidas serão analisadas para a construção de um plano nacional sobre o tema.
Previsto na Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável, prevenir a gravidez precoce e garantir que essas meninas sejam assistidas é o grande desafio para que elas possam exercer seus direitos sem ter os planos para o futuro comprometidos por uma gravidez não planejada.
Na semana de prevenção à gravidez na adolescência, o Àwúre, iniciativa do Ministério Público do Trabalho (MPT), da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), chama a atenção para que todas, todes e todos participem da luta por um mundo que respeite as dificuldades impostas a essas meninas, vítimas da desinformação, da violência e da negligência.