No mês de luta contra o trabalho infantil, a live do “Diálogos Àwúre” abordou questões de proteção e responsabilidade social no combate ao trabalho infantil.
“Eu comecei a trabalhar quando tinha oito anos de idade, catei latinha, fui garçom, carreguei coco. Trabalhava de sete da manhã até sete da noite. Foi a partir de um projeto do UNICEF que consegui sair da situação de trabalho infantil para me tornar o que sou hoje”. Foi assim que Felipe Caetano, 18 anos, abriu a live de junho do Canal Àwúre. Estudante de direito, conselheiro jovem do Fundo das Nações Unidas para a Infância(UNICEF), Caetano foi também o apresentador da live “Infâncias livres, proteção e responsabilidade social no combate ao trabalho infantil” do Àwúre, projeto realizado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo UNICEF. O Àwúre está presente em 6 estados brasileiros (PA, TO, BA, AC, RO e AP) e busca promover o diálogo, a diversidade, o pluralismo, o respeito às identidades, à tolerância, ao princípio participativo e democrático, a cooperação, promoção e valorização das condições de vida e trabalho dos povos originários (Indígenas), das comunidades tradicionais (quilombolas de terreiros de religiões de matriz africana e ribeirinhos) e comunidades periféricas.
Desde que foram criadas, as lives do Àwúre buscam abordar temas de interesse das populações atendidas pelo projeto. Agora, em junho, mês de luta contra o trabalho infantil, representantes de diferentes instituições participaram.

A procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT) de São Paulo, Elisiane Santos ,falou sobre os prejuízos da retirada da infância das crianças. “Vão desde impactos negativos no seu desenvolvimento físico, até impactos sérios no desenvolvimento psicológico e social. Então, muitas vezes as crianças que estão no trabalho, elas não conseguem desenvolver as suas potencialidades, elas perdem a possibilidade de convivência, de troca, de afeto com outras crianças e isso pode trazer consequências para o resto da vida, tornando-a um adulto inseguro, com dificuldades de relacionamento e com baixa autoestima”. Ainda destacou os danos ao desenvolvimento físico, acidentes laborais, principalmente nas piores formas previstas na Lista TIP (Decreto 6481/2008), inclusive acidentes fatais. De acordo com levantamento do Ministério da Saúde, nos últimos 12 anos, 245 crianças e adolescentes perderam a vida no trabalho infantil no Brasil”. A legislação brasileira proíbe qualquer tipo de trabalho para as crianças e adolescente até 14 anos de idade. Entre 14 e 16 anos é permitido o trabalho na condição de aprendiz e entre 16 e 17 anos há permissão parcial, mas são proibidas atividades noturnas, insalubres,
perigosas e penosas.

Na live, foram apresentados os dados do mais recente relatório conjunto do UNICEF e da OIT, divulgado agora em junho de 2021, que mostram um crescimento do número de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil no mundo. Foi a primeira vez, nos últimos 20 anos, que esse número voltou a aumentar.
Maria Cláudia Falcão, coordenadora do Programa de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho do Escritório da OIT no Brasil, falou sobre esses dados e fez um alerta.
“Esse aumento se deu sem ser considerado o efeito da crise da Covid-19, o que chama ainda mais a atenção e torna esse cenário muito preocupante. Na época em que foram feitas as estimativas pela OIT e UNICEF, ainda não havia dados disponíveis referentes à pandemia, mas havia um comparativo de 8 milhões a mais de crianças e adolescentes trabalhando, comparando 2016 a 2020. Então em razão da Covid-19, a OIT fez um exercício para ver qual seria o impacto da pobreza gerada pela pandemia e, como mostra o relatório, nós podemos ter mais 9 milhões de crianças em situação de trabalho infantil no final de 2022, se não ampliarmos o nosso sistema de proteção social”, explicou Maria Cláudia.

Chefe do Escritório do UNICEF em Salvador, Helena Oliveira coordena as ações do Àwúre recôncavo, projeto que tem como parceiros o Instituto Aliança e a Plan International Brasil. Na live, Helena falou sobre a importância de uma atenção maior para as comunidades tradicionais e grupos mais vulneráveis no combate ao trabalho infantil. “Buscamos através do Àwúre no Recôncavo Baiano fazer um enfrentamento ao trabalho infantil. É muito importante salientar que é necessário ter um foco nas populações de extrema vulnerabilidade, pois são essas, duas, três ou quatro vezes mais impactadas no contexto das desigualdades. Quando se observa a população, sendo ela criança ou adolescente quilombola, indígena, LGBTQIA+ ou de periferia, nós observamos que é necessário um esforço maior, redobrado e necessário para que esses grupos alcancem efetivamente seus direitos”.

Na live, foi discutida também a responsabilidade de todas e todos no combate ao trabalho infantil, inclusive das empresas. Muna Hammad, diretora de Recursos Humanos e Sustentabilidade para América Latina da Meliá Hotels International, falou sobre a importância do setor privado na luta contra essa grande violação que é o trabalho infantil. Em 2017, a Meliá Hotels International conquistou o selo de direitos humanos e diversidade, concedido pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo. Chamado ‘Eu também sou Meliá’, o programa foi lançado em parceria com o Senac e tem como objetivo principal inserir jovens aprendizes no mercado de trabalho formal. “O setor privado precisa olhar para os casos de trabalho infantil de maneira objetiva e direta, exatamente para poder fazer com que nossos colaboradores tenham esse olhar, não só dentro das empresas, mas fora também. É necessário saber identificar e combater esse crime.” Muna falou mais sobre essa conscientização. “Desenvolvemos trabalhos no hotel para que nossos funcionários entendam que muito mais que uma empresa hoteleira, somos uma empresa que tem participação na educação e no cuidado com o movimento de programas sociais, podendo engajar diferentes pessoas da companhia, para levar para as comunidades, levar para o mercado, toda a informação e alertar sobre a importância desse combate ao trabalho infantil”.

A live foi encerrada com o ministro do Tribunal Superior do Trabalho Lélio Bentes Corrêa que falou sobre a necessidade de promover uma mudança de cultura. “Ainda há na nossa sociedade esse pensamento que o trabalho na infância enobrece ou molda o caráter e nós sabemos que não é bem assim. 95% dos trabalhadores resgatados de situação de trabalho escravo contemporâneo foram vítimas de trabalho infantil. Nos presídios, nós temos uma predominância da população carcerária formada por pessoas que foram vítimas do trabalho infantil. Essa situação de discriminação estrutural e de desatenção absoluta para com a infância geram uma consequência nefasta para a nossa sociedade. É fundamental que todas e todos se conscientizem da importância do combate ao trabalho infantil, sabendo que esse é um problema de cada um de nós, sim”.
No final, o jovem Felipe Caetano deixou uma importante mensagem. “Do lugar onde eu venho, as crianças não podem sonhar. Eu pude sair do trabalho infantil e passar pela transformação da educação. Eu gostaria de alertar a todos e todas que me assistem que a responsabilidade em combater isso é de todos nós. É uma responsabilidade individual, de governo, de comunidade e humana. Tem de ser mais do que falas bonitas, tem de ser ações, porque, infelizmente, as crianças em situação de trabalho infantil não estão podendo nos assistir porque estão em situação de trabalho noturno ou porque vão acordar bem cedo para ir para lixões, por exemplo”.
Garantir infâncias livres de toda e qualquer forma de violência é uma busca do Àwúre e um dever e responsabilidade de todes.
Em julho, a live do Àwúre será ainda dentro do tema de um mundo mais justo e melhor para crianças e adolescentes. No dia 13 de julho, às 18h, a live do Canal Àwúre discutirá a educação e aprendizagem para crianças e adolescentes. Não perca! E se você perdeu a live de junho e quer ver tudo que foi discutido, acesse o link.