As mulheres negras ganham metade do que ganha um homem branco e entre as ocupações, quase um quinto delas (19,1%) trabalha no serviço doméstico. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad). Um em cada dois negros está no mercado informal e nesse mercado, as mulheres negras estão geralmente trabalhando no serviço doméstico e sem carteira assinada. A estimativa é que, hoje, o Brasil tenha 6,2 milhões de empregadas domésticas, a maioria mulheres negras.
De acordo com o Atlas da Violência de 2020 do Ipea, a cada duas horas uma mulher é morta do Brasil. Desse total, mais de 50% são assassinadas por arma de fogo e 38,9% desses homicídios acontecem dentro de casa. Quase 70% das mulheres vítimas de assassinato no Brasil eram negras, sendo que os homicídios de mulheres negras aumentaram 12,4%, enquanto os homicídios de mulheres brancas caíram 11,7%. Mobilizações como o mês da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, chamado também de Mês das Pretas, apressam questionamentos para a construção de um modelo de sociedade onde as mulheres negras participem de novos marcos civilizatórios e não sejam apenas retratadas como dados de estatística. A data já faz parte do calendário, que também é de homenagens à quilombola e indígena Tereza de Benguela.
A Advogada, Jornalista, cofundadora do MNU (Movimento de Mulheres Negras) e Vice-presidente da Comissão de Igualdade Racial da subseção Santana SP, Lenny Blue, destaca a importância do movimento. “A Marcha das Mulheres Negras surge da necessidade de insurgirmos contra as desigualdades históricas que o racismo estrutural e institucional causa na vida das mulheres negras. De um lado a crueldade estatal face à ausência de políticas públicas e de saúde, do outro lado o braço armado do Estado direcionado ao povo negro, aniquilando inclusive o direito à vida e ao envelhecimento – o terror, a violência e a desigualdade nos matam antes. Nós, mulheres negras, desde sempre participamos dos grandes momentos da luta antirracista em nosso país, nos quilombos, inclusive urbanos”.
Desde 2015, A Marcha das Mulheres Negras de São Paulo luta contra o racismo, o machismo, a LBTfobia e todo tipo de preconceito e discriminação contra o povo desde os tempos da escravização até hoje. “Nosso mote é o bem viver que significa a aplicação dos valores africanos, que incluem o respeito à natureza, respeito ao coletivismo social, reconhecimento da nossa dignidade, do nosso território, da nossa necessidade de bem-estar coletivo. Reivindicamos o bem viver, para o resgate das formas ancestrais de gestão do coletivo e do individual, com respeito aos nossos corpos e à natureza”. Afirma Lenny Blue.
Para a Procuradora do Trabalho do Ministério Público do Trabalho de São Paulo, Elisiane Santos, a realidade das mulheres, principalmente onde a sociedade é definida pelo racismo e sexismo na sua formação, a sua luta e a contribuição das mulheres negras na conquista de direitos não podem continuar sendo apagadas como acontece no sistema de Justiça, na produção do saber jurídico, na aplicação do Direito e principalmente em termos de representatividade.
“Somos maioria da população brasileira, mas ainda são muitos os desafios para ocupar esses espaços. Nós, mulheres negras, indígenas, quilombolas, de terreiro, nos espaços de decisão, somos fundamentais para a construção de uma sociedade plural, democrática, fundada numa cultura de bem viver e de justiça social. As mulheres negras e indígenas sustentaram a nossa sociedade, com o seu trabalho, e resistiram a muita opressão. Construíram estratégias de luta, lideraram batalhas, produziram conhecimentos em diferentes áreas da vida, e precisam assumir o seu lugar de representação porque ainda temos muito a contribuir com nossas experiências e vivências coletivas para a política, a economia e a Justiça.
Ana Paula Evangelista é integrante da Marcha das Mulheres Negras de São Paulo. Para ela, as necessidades não param na pandemia. “Os atuais governos têm usado esse momento de total desespero dos brasileiros para validar uma agenda neoliberal e que vem colocando em cheque todas as ações e projetos que os movimentos sociais conseguiram construir.”
O Comitê Impulsor Nacional da Marcha, criado em 2013 durante a III Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Conapir), é integrado por representantes de Agentes de Pastoral Negros (APNs), Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Quilombolas (Conaq), Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen), Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Fórum Nacional de Mulheres Negras (FNMN), Movimento Negro Unificado (MNU) e União de Negros e Negras pela Igualdade (Unegro).
O Àwúre, projeto de iniciativa do Ministério Público do Trabalho, da Organização Internacional do Trabalho e do Fundo das Nações Unidas para a Infância, já beneficiou 60.224 pessoas dentre povos indígenas, negros e negras, quilombolas, ribeirinhos/as, moradores de comunidades periféricas e praticantes das religiões de matriz africana em 6 estados brasileiros (Bahia, Amapá, Tocantins, Pará, Acre e Roraima) e busca garantir o respeito, o trabalho decente e a equidade pra essas populações, formadas, majoritariamente, por mulheres negras.