“O Nordeste foi a porta de entrada do colonizador. O que é importante para combater a xenofobia no país direcionada aos nordestinos, é ensinar história do Brasil nas escolas do eixo Sul, Sudeste e Centro-Oeste, que são lugares onde acontece maior incidência discriminatória contra o povo do nordeste. Ou seja, é como se eles mordessem a mão de quem os criou.” Com essas palavras, Tiago Kfuzo Nagô, negro, nordestino e integrante do Grupo de Trabalho “Povos Originários e Comunidades Tradicionais” do Ministério Público do Trabalho, no eixo de Comunicação, chama atenção para a importância da luta do povo nordestino contra a xenofobia e o preconceito.
Sendo a segunda região mais populosa do país, contando com mais de 56 milhões de habitantes, a celebração do Dia do Nordestino marca o orgulho das suas raízes e a luta contra a xenofobia e. A tentativa de diminuir a população nordestina pelo seu sotaque ou atribuir a miséria do país as suas condições tendo como base a desinformação e o preconceito.
Desde 2009, no dia 08 de outubro é comemorado o Dia do Nordestino desde 2009, por meio de uma lei criada em São Paulo, a lei n. 14.952, de 13 de julho de 2009. A data foi escolhida em homenagem ao cantor e compositor Antônio Gonsalves da Silva, o Patativa do Assaré.
A necessidade e a busca por melhores oportunidades e condições de vida leva nordestinos e nordestinas a migrarem para outros estados, são fatores que expõem trabalhadores e trabalhadoras às piores formas de trabalho, como o trabalho análogo ao escravo. Entre 1995 e 2020, 55.712 pessoas foram encontradas em condição análoga à da escravidão no Brasil, segundo informações do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, desenvolvido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Nesse período, os municípios com maior número de pessoas resgatadas em condições de trabalho análogas à escravidão estavam nos estados do Pará e do Maranhão, sendo egressas de estados como a Bahia, o Piauí, o Ceará, Maranhão. A questão é que faltam políticas públicas de geração de trabalho, emprego e renda, mas também de educação, saúde e assistência, que permitam a inclusão social e produtiva dos grupos mais vulneráveis à exploração das piores formas de trabalho, incluindo o trabalho infantil. Para Tiago Nagô, migrar é um direito humano, principalmente domesticamente.
“Acho que nós temos o direito de nos estabelecermos em qualquer lugar do país. Até porque nossos documentos nos dizem que eles possuem validade em todo território nacional. Agora, é preferível que o Estado dê condições para o povo do Nordeste continue nos seus territórios, com sua cultura e tradição. Mas sabemos que também existe uma grande necessidade de buscar conhecimento em outras culturas. O ser humano só se restringe a um território ou por sua vontade ou por ser impedido de praticar sua liberdade de ir e vir. Existe uma dificuldade de compreender que todo território é nosso. O trabalho análogo à escravidão existe tanto nas grandes cidades, como também nas regiões onde toda a população é tomada pela seca”
Para a Subprocuradora-geral do Trabalho e coordenadora nacional do Grupo de Trabalho “Povos Originários e Comunidades Tradicionais” do MPT , Edelamare Melo, a região Nordeste é exportadora de mão de obra escrava, por isso o trabalho escravo contemporâneo aflige, fundamentalmente, a população do Norte e Nordeste, que migram de seus estados de origem para frentes de trabalho, como a exploração da carnaúba, da cebola, do alho, da laranja, do cacau, da castanha, etc.; e para os garimpos e carvoarias ilegais, apenas para exemplificar, em busca de sustento porque nos seus estados de origem não encontram trabalho, muito em decorrência da falta de políticas públicas de inclusão social e produtiva com trabalho decente, e de latifúndios que instalaram nestes locais a produção de monoculturas associadas, como é o caso do milho e da soja.
A Subprocuradora-gera; destaca que a situação é dramática porque estas pessoas não exercitam seu direito de ir e vir em condições de liberdade e dignidade, mas de submissão a condições degradantes de trabalho, inclusive e, especialmente, nas grandes plantas de agronegócio, mas também em atividades ilegais, como a exploração do garimpo e carvoarias.
O nordestino também é, majoritariamente, ao lado de migrantes venezuelanos e bolivianos, a mão de obra mais vulnerável ao aliciamento para condições de trabalho degradante na indústria da confecção, seja em facções localizadas em seus locais de origem, seja no estado-sede da indústria.
“A migração se dá da miséria para a miséria porque os municípios exportadores de mão de obra de obra escrava possuem os mais baixos índices de desenvolvimento humano do país e os mais baixos índices de educação básica, razão pela qual falta a estes trabalhadores – em sua maioria trabalhadores negros e braçais- condições de inclusão nas grandes plantas do agronegócio, por exemplo, que do seu processo de automação os exclui, à falta de capacitação e qualificação profissional”.
Diante deste quadro e da necessidade de prevenir e enfrentar a exploração das piores formas de trabalho que afligem estes segmentos mais vulneráveis, o Grupo de Trabalho “Povos Originários e Comunidades Tradicionais” do MPT concebeu o PROJETO ÀWÚRE, realizado em parceria com a OIT e o UNICEF, com foco na promoção dos direitos fundamentais destes grupos e na criação de alternativas para inclusão social e produtiva com trabalho digno e decente, como o centro de referência e capacitação em agroecologia que está sendo implantado na sede da Associação Edson dos Santos, do Ilê Alabaxé de São Miguel Archanjo (Maragogipe, Recôncavo Bahiano), o projeto de Soberania Alimentar, em parceria com a Associação GAP EY, que atende indígenas da aldeia Gãpgir, focando na segurança alimentar e produção agroecológica – no estado de Rondônia; e o Projeto Ubuntu no Tocantins – com quilombolas do Quilombo do Grotão-e outros estados da Federação.
Também no contexto do PROJETO ÀWÚRE está sendo realizada parceria com o SENAC no Recôncavo Baiano para formação profissional, entre outras ações que visam a fixação de trabalhadores e trabalhadoras, e de suas famílias em seus locais de origem como estratégia de prevenção e enfrentamento ao trabalho escravo.
“Falta ao Brasil reconhecer a importância da força nordestina na construção e preservação da sua identidade nacional e no seu crescimento e desenvolvimento econômico. Assim, no alimento que você consome, na roupa que você veste, no ar que você respira, na água que você bebe, e no ouro que você admira. Sobra racismo, xenofobia e exploração de trabalho escravo do povo nordestino”, afirma a Suprocuradora-geral Edelamare Melo