Nova resolução do Conselho Nacional do Ministério Público regulamenta atuação do MP junto aos povos originários e comunidades tradicionais
Foi aprovada por unanimidade, pelo Plenário do Conselho Nacional do Ministério Público, a resolução de relatoria do conselheiro Sílvio Roberto Oliveira de Amorim Junior, que trata da atuação extrajudicial do Ministério Público junto aos povos originários e comunidades tradicionais brasileiras. A resolução surge do processo de discussão desencadeado pelo Grupo de Trabalho Povos e Comunidades Tradicionais, vinculado à Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais.
A resolução prevê que “o respeito aos territórios independe da sua regularização formal pelo Estado, cabendo ao Ministério Público adotar as medidas necessárias para viabilizar o seu reconhecimento e garantir que a análise de suas características não esteja limitada aos regimes civis de posse e propriedade, devendo prevalecer uma compreensão intercultural dos direitos fundamentais envolvidos, com ênfase em aspectos existenciais dos bens jurídicos em discussão”.
A Subprocuradora-Geral do Trabalho Edelamare Melo, coordenadora do GT “Povos Originários, Comunidades Tradicionais Quilombolas, de Terreiros e Ribeirinhas, e Periféricas” do Ministério Público do Trabalho, observa que a “Resolução traduz a consolidação de avanço civilizatório para a defesa dos direitos e garantias fundamentais desses povos e comunidades no âmbito ministerial, disciplinando sua atuação extrajudicial forte no respeito à autonomia desses grupos, na construção do diálogo intercultural permanente, de caráter interseccional, autoatribuição de identidade e no direito à participação garantida por meio da consulta prévia, livre e informada, tal e como disciplinada na Convenção Nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”.
A resolução insta os membros e membras do Ministério Público a monitorar o acesso às políticas públicas pelas comunidades tradicionais, respeitando os desejos e vontades dos grupos através de uma conversa prévia, além de preconizar a intervenção obrigatória do Ministério Público em processos judiciais que os afetem. Por fim estabelece que os ramos do Ministério Público “deverão, mediante prévia análise das condições estruturais de suas unidades e prévio diálogo intercultural, implementar coordenações, grupos de trabalho e núcleos destinados ao estudo, à atuação coordenada e ao aprimoramento do trabalho junto aos povos e comunidades tradicionais”.
A Procuradora do Trabalho Cecília Santos, vice-coordenadora do GT de Comunidades Tradicionais, do MPT recebeu com esperança renovada a nova Resolução uma vez que esta prevê a atuação do MP em prol de políticas públicas que abranjam diversos temas, como saúde, educação, acesso a água, transporte escolar, trabalho, proteção social, energia elétrica, entre outros. “A norma afasta de uma vez a alegação de incompetência do MPT para tratar do trabalho dos membros das comunidades tradicionais ao passo que estimula a implementação de políticas públicas como o projeto Ubuntu, que promove arranjos agroflorestais em quilombos do Tocantins.”
Jornalista, comunicador e coordenador da rede de cultura indígena, Anápuàka Tupinambá, destaca que “A resolução vem e não vem a calhar, mas chega de forma impessoal, mais contundente e com relevância”. Para o indígena, os direitos originários garantidos pela Constituição Federal ainda precisam de ações mais firmes. “Não houve o cumpra-se para as garantias de direito da demarcação das terras indígenas e nem garantia dos direitos dos povos tradicionais”, diz Anápuàka.
O indígena diz ainda que, após os trinta anos da Constituição Cidadã, ela foi de alguma forma remendada em medidas dentro do Senado, dentro da Câmara dos Deputados e às vezes, um pouco esquecida pelo Judiciário. “Espero que essa resolução seja respeitada. Acredito que a sua implementação venha fortalecer as garantias de direitos e deveres de nós brasileiros, originários, de nós brasileiros, tradicionais, de nós brasileiros de todos os lugares desse país. Garantir o direito é também monitorar, lutar e estar presente.”
O conjunto de normas já é implementado no Ministério Público desde o ano de 2019, com a criação de GT específico, como também aquele que prevê a realização de encontros anuais com os povos e comunidades tradicionais, que ocorrem desde 2018, com a realização de Simpósio no qual se garante amplo espaço de fala a referidos segmentos e diálogo social intercultural. As ações do GT são implementadas também por meio do Projeto Àwúre, realização do Ministério Público do Trabalho (MPT), Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). A resolução é mais um avanço na busca do trabalho decente e respeito às tradições e culturas desses povos.