Novembro chegou ao fim com ações dedicadas à reflexão e discussão de ações de combate ao racismo, em especial o racismo religioso, que tem como alvo as religiões de matriz africana e afro-ameríndias . O Projeto Àwúre produziu o “NOVEMBRO NEGRO ÀWÚRE” para mais uma escuta prévia, livre e informada com os povos e comunidades tradicionais quilombolas e de terreiro para desenhar a atuação institucional do Ministério Público do Trabalho (MPT), da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) junto a estes povos e comunidades, respeitando seus saberes, tradição, história, cultura e religiosidade ancestrais. Durante todo o mês de novembro, foram realizadas diversas ações em apoio à pauta antirracista. Foram apresentações teatrais, workshops, seminários, rodas de conversa, apresentações de filmes, exposição fotográfica, entre outras atividades.
O evento ocorreu nos municípios de Maragogipe (Recôncavo Baiano) e Salvador, na Bahia. Na abertura, a primeira aula foi na Sede da Associação Edson dos Santos do Terreiro Ilê Alabaxé de São Miguel Arcanjo, no Terreiro Ilê Alabaxé, em Maragogipe, estando presentes cerca de 40 jovens de 6 municípios do Recôncavo, além de outros convidados. Em seguida, seguiu para três comunidades quilombolas: Dendê, que também reuniu moradores dos quilombos de Angolá, Baixão do Guaí e Salaminas com grande presença de mulheres e jovens.
Esse foi um momento no qual os quilombolas, ribeirinhos, pessoas de terreiros de matrizes africana e afro-ameríndias e de periferia partilharam suas vivências, experiências e angústias.
Raquel Dias, coordenadora da Plataforma EAD Àwúre Educa, que esteve todos os dias presentes fala da abertura do ‘Novembro Negro’ e sua experiência no projeto. “Eu atuo próximo ao Àwúre desde que o projeto era apenas debate nas mesas do simpósio internacional que o MPT fazia, quando o projeto começou a se tornar ações pelos país eu tinha muita vontade de conhecer as células onde isso ocorria. Em 2020, participei da implementação do Àwúre Maragogipe, então pisar na sede da associação, trazer jovens dos municípios vizinhos que já tinham participado do projeto, conhecer de perto as realidades difíceis que o Àwúre tenta modificar foi muito bonito e impactante para mim”.
Segundo a Subprocuradora-geral do MPT e coordenadora nacional do GT “Povos Originários e Comunidades Tradicionais” Edelamare Melo, o problema identitário e de pertencimento fragiliza o coletivo no combate ao preconceito, à discriminação e ao racismo.
“A importância do evento para os quilombolas e religiosos de matriz africana residiu em lhes permitir um espaço de reflexão sobre a importância de seus territórios como espaços sagrados a serem preservados para garantir a preservação da cultura, saberes, tradição e religiosidade ancestrais. Neste sentido buscou-se demonstrar a importância da cultura da paz e do respeito à história e ao legado herdado. Também para demonstrar que as práticas ancestrais de produção e consumo no território sagrado são conciliáveis com uma economia autossustentável. O problema identitário e de pertencimento dos quilombolas os fragiliza, como coletivo, no enfrentamento diuturno ao preconceito e racismo, e às lutas que travam para preservação de seus territórios. Outra coisa que chama à atenção é a falta de engajamento dos religiosos de matriz africana em um espaço de fala, que lhes foi aberto para apresentar suas demandas e discutir estratégias de enfrentamento, para subsidiar a atuação institucional do Ministério Público do Trabalho. O Novembro Negro Àwúre se propôs a escutar, dividir e compartilhar saberes, com a criação de um espaço de escuta ampla, livre e informada, como preconizado na Convenção 169 da OIT e na Resolução 230 do Conselho Nacional do Ministério Público. “ que nos unamos para sermos fortes e estratégicos no enfrentamento ao racismo, sob todas as suas formas’”, afirmou Edelamare.
O sociólogo guineense Miguel de Barros comenta sobre a escuta ativa e como ela pode melhorar o relacionamento com as comunidades tradicionais. “Essa iniciativa permite desencadear um processo de escuta ativa e, ao mesmo tempo, construir laços de efetividade das comunidades, mas, também, da sua ligação com os territórios. São comunidades extremamente marginalizadas e excluídas de todo o processo de acesso a bens e serviços, mas há, também, fluxos econômicos, políticos, que fazem com que nem sempre tenham se quer conhecimento da sua própria sociedade e muito menos autoestima. Então, trazer essa proposta de diálogo, escuta e intervenção favorece uma construção comunitária, que contribui para criação de estruturas locais , bases que favoreçam a mobilização social e coletiva para construção de uma agenda que permita criar esses vínculos de uma forma mais estruturada, para construção de um processo de mudança social a nível local”.
O casal Alberto Silva Junior e sua esposa Lucilene, adeptos da religião de matriz africana, destacou o que mais os marcou e a importância de iniciativas como essa para comunidade.
“Um evento como esse é sempre importante para as comunidades tradicionais, pois, em toda história de nosso país, essas comunidades foram muito atacadas. Mas, nessa conjuntura atual no Brasil, os ataques se tornaram mais velados e um encontro como esse tem a função de dar uma maior unidade a essas comunidades para resistirem aos ataques desse setor conservador, e para que essas comunidades reforcem suas unidades internas e busquem apoios externos para conseguirem que seus direitos sejam respeitados e garantidos”, disse Alberto.
“O que ficou de importante, enfatizado pela dinâmica aplicada no encontro foi a necessidade de reafirmar a resistência do povo brasileiro, apesar da situação política e socioeconômica não ser favorável. Então, o encontro nos possibilitou, como afro-brasileiros e candomblecistas, recordar e evidenciar as lutas e resistências da população negra contra o racismo, preconceito, discriminação racial e desigualdades sociais. Ao mesmo tempo, reafirmar a nossa identidade negra como construtores da história de nosso país. Este evento é fundamental junto aos quilombolas e terreiros para despertar a conscientização do poder negro, assim bem como conhecer o legado de Zumbi, Dandara, Maria Quitéria, Carlos Marighella, Luiz Gama entre outros lutadores e lutadoras que doaram suas vidas ao povo”, afirmou Lucilene Santana.
O encerramento das atividades foi no dia 20.11, em Salvador, um dia simbólico: 20 de novembro é o dia no qual se celebra a “Consciência Negra” e os terreiros, são, desde sempre, espaços de resistência e luta pela preservação da história, tradição, cultura e religiosidade ancestral africana, afro-brasileira e afro-ameríndia. Além disso, o evento aconteceu em uma das mais antigas casas de religião de matriz africana de Salvador, a casa de Oxumarê, e teve as presenças das lideranças da casa.
O Babalorixá da Casa de Oxumarê, Babá Pecê falou sobre o Novembro Negro para a comunidade de terreiros e para os negro(as). “O Novembro Negro e suas atividades proporcionam à comunidade reflexões sobre as desigualdades, exclusão, mercado de trabalho, saúde, educação e moradia da população negra. O racismo, ele começa desde a infância onde nossas crianças são discriminadas pela cor da pele, por seu cabelo e continua decisivamente na trajetória de vida das negras e dos negros. Precisamos com o Novembro Negro e antes ou após esse mês tomar consciência de que a construção do estado democrático se inicia pela superação das discriminações raciais, superar, classificar a pessoa pela sua cor de pele. O Novembro Negro é uma forma densa e coletiva do movimento social e de organismos da luta antirracista para combater o racismo principalmente o racismo mascarado, a falsa democracia racial. A intolerância religiosa com a religião de matriz africana. Essas atividades do Novembro Negro são articuladas para a promoção de políticas públicas que tragam garantias dos direitos da população negra. Após mais de 30 anos da aprovação da Lei Caó, vivemos um retrocesso, uma declaração ao extermínio dos jovens negros. Ressaltamos no Novembro Negro a luta por direitos, cidadania e dignidade humana para a comunidade negra. Dirimir essas marcas profundas da escravidão, exigem medidas de ações afirmativas e de reparação por este país à população negra pelos seus serviços forçados prestados na construção dos alicerces que mantém até os dias de hoje essa nação Brasil”.
Todas as atividades do NOVEMBRO NEGRO ÀWÚRE foram encerradas com apresentações de teatro ancestral africano, com Wanessa Sabbath e vão estar disponíveis na plataforme EAD ÀWÚRE EDUCA para todos que quiserem fazer o workshop.
O Projeto Àwúre é uma iniciativa do Ministério Público do Trabalho/GT “Povos Originários e Comunidades Tradicionais “, da Organização Internacional do Trabalho e do Fundo das Nações Unidas para a Infância.