Criado em 1 de novembro de 1974, o mais antigo bloco afro brasileiro é sinônimo de luta, raça e é o principal protagonista de uma maior resistência negra do país no carnaval!
Ilê Aiyê, expressão em ioruba que significa Mundo negro ou Casa de negro ou ainda Casa da Terra, foi criado por moradores do bairro do Curuzu, na região do bairro da Liberdade, em Salvador-BA, com a iniciativa da Ialorixá “Mãe Hilda Jitolou” do seu filho, Antônio Carlos, também conhecido como Vovó do Ilê e por Apolônio de Jesus. Falecido em 1992, aos 40 anos, Apolônio sempre procurou usar a música e a dança da cultura afro como elementos de resistência.

Foi em 1975, durante sua primeira apresentação na avenida, que o primeiro bloco negro afro desfilou em Salvador mostrando que um dos objetivos principais era combater o racismo e qualquer outra forma de discriminação, como relata Vovô do Ilê, presidente do bloco:
“O Ilê foi o primeiro bloco negro a desfilar no carnaval de Salvador. Foi assim que o ilê foi para as ruas, com seus tambores, com suas músicas e dando esse grito de liberdade, essa ação afirmativa. Isso foi o que fez as pessoas, os negros(as) despertarem e assumirem sua negritude. Essa foi uma das coisas mais importantes. Foi através do carnaval que se começou a dizer “eu sou lindo, eu sou negro, tenho orgulho do meu cabelo, da minha cor, da minha raça.”
Foi dentro do terreiro Ilê Axé Jitolu, que o bloco começou a ajudar a fortalecer e amadurecer a emancipação negra no país. Seus cantos alertavam e destacavam o combate à desigualdade racial, à violência contra a população negra, além de enaltecer a beleza original do povo negro dentro de uma sociedade onde a cor da pele desvaloriza, negligencia e taxa como beleza inferior.
Um estudo desenvolvido pelo instituto PoderData revela que 81% dos brasileiros disseram ter a percepção de que existe preconceito contra negros no Brasil. Quando perguntados diretamente 34% dos entrevistados admitiram ter preconceito. Por esses e outros motivos, o Brasil é reconhecido pela população como um país racista, mas poucos assumem suas atitudes de preconceito racial.

“O cenário de combate ao racismo, não está muito diferente. Claro que avançamos bastante, em atitudes, mas muita coisa ainda precisa ser feita. Todo mundo sabe que existe racismo no Brasil, mas ninguém é racista. Nesse momento atual é muito triste ver que muitos negros, muitos jovens ainda sofrem do ranço da escravidão mental e isso tem atrapalhado bastante o nosso desenvolvimento, o nosso crescimento. Mas o negro precisa também ter mais atitude, principalmente acreditar no irmão negro”, diz Vovô.
“Que bloco é esse, eu quero saber. É o mundo negro que viemos cantar para você.” No primeiro desfile, a música de Paulinho Camafeu já trazia a mensagem.
Durante 20 anos a história do Ilê Aiyê se misturou à história do terreiro Ilê Axé Jitolu e sua responsável, a Ialorixá Mãe Hilda. Era lá que funcionava a diretoria, secretaria, salão de costura e recepção de associados. Até 2009, Mãe Hilda foi a responsável pelo ritual de saída do bloco. Até hoje, 47 anos depois de sua fundação, na saída do Ilê são oferecidos milho branco cozido e pipoca, alimentos de predileção de Oxalá, orixá da paz, e de Obaluaiê, patrono da saúde. Em seguida, uma revoada de pombas brancas anuncia a saída do bloco no Carnaval, na subida da ladeira do Curuzu
O Ilê enfrentou muito preconceito antes de se tornar uma referência do carnaval de Salvador para o Brasil e para o mundo. Foi alvo de críticas da imprensa baiana de modo geral, como a do principal jornal da época na capital baiana, o A Tarde, que em 12 de fevereiro de 1975 tinha como manchete: “Bloco Racista, Nota Destoante”. Inicialmente seus fundadores pretendiam chamar o bloco de “Poder Negro”, mas a Polícia Federal da Bahia impediu o registro do bloco com este nome alegando conotações negativas e “alienígenas”.
Atualmente o bloco mantém uma associação cultural com cerca de 3 mil associados, sendo considerado um patrimônio da cultura baiana, marco no processo de reafricanização do carnaval da Bahia. Caracteriza-se também como uma entidade de militância negra e de combate ao racismo.
O Ilê Aiyê foi e continua sendo uma revolução no carnaval da Bahia. Uma revolução que alcançou o mundo. A musicalidade do carnaval ganhou as batidas da tradição africana favorecendo o reconhecimento de uma identidade marcadamente negra na Bahia. O espetáculo que o bloco exibe nos circuitos do carnaval de salvador emociona baianos e turistas.
Para manter a identidade do bloco e os princípios pelos quais foi criado, até hoje o Ilê só aceita pessoas negras. Foi através dessa linha de pensamento que muita coisa mudou na Bahia para os negros(as). Antes do bloco, por exemplo, era raro ver homens e mulheres negras(os) usando roupas coloridas, batons chamativos, isso por causa do estigma racista de séculos .O Ilê revolucionou as roupas, as cores e atraiu a atenção do mundo, através da música e atitudes.
Com vários discos gravados, o Ilê Aiyê já fez várias turnês internacionais. Entre os maiores sucessos do bloco estão “Que Bloco É Esse”, “Depois que o Ilê Passar”, “Charme da Liberdade”, “Viva o Rei”, “Décima Quinta Sinfonia”, “Exclusão”, “Deusa do Ébano” e “O Mais Belo dos Belos”. Muitas personalidades já foram ver a saída do Ilê, como a modelo Naomi Campbell.

Para a Subprocuradora-geral do Trabalho do MPT, Edelamare Melo, a importância do Ilê contra o racismo é “dar visibilidade ao que se quer deixar na invisibilidade: a realidade do racismo no Brasil, inclusive religioso, que é traduzido nas marcas da profunda desigualdade, que afeta àqueles e àquelas que carregam consigo a marca da nossa ancestralidade, que se quer apagar. Mas o Ilê é resistência e sua voz, seus tambores ecoam, mundo à fora,bradando por respeito, por igualdade e equidade!
O Àwúre, projeto de iniciativa do Ministério Público do Trabalho(MPT), da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), procura ajudar a propagar os tambores do mundo negro do Ilê Aiyê e outras vozes das comunidades tradicionais e dos povos originários garantir condições dignas e respeito para todes os cidadãos desse país.