O primeiro dia do Seminário “Direitos Humanos Fundamentais dos Religiosos de Matriz Africana: Eficácia e Efetividade” obteve a presença ativa de participantes ao vivo na Plataforma Àwúre e no Canal do YouTube. 642 pessoas de todas as regiões do Brasil participaram do seminário, 315 através da plataforma EAD Àwúre Educa.
Com o objetivo de contribuir para a construção de uma atuação institucional do Ministério Público do Trabalho (MPT), efetiva e eficiente junto, e com os povos e comunidades tradicionais de terreiro, o Àwúre – uma iniciativa do MPT, da Organização Internacional do Trabalho e do UNICEF Brasil – realizou, no dia 23.10, em parceria com a Coordenação Nacional do Grupo de Trabalho “Povos Originários e Comunidades Tradicionais”- Subgrupo de Trabalho Terreiros-, iniciou as atividades do I Seminário Àwúre com o tema “Direitos Humanos Fundamentais dos Religiosos de Matriz Africana: Eficácia e Efetividade”.
No encontro virtual foram discutidos temas, tais como: à liberdade religiosa de crença, credo e cor em todos os aspectos da vida, seja no setor da comunicação, educação, assistência, segurança pública, patrimônio histórico-cultural, diversidade, e protagonismo infanto-juvenil.
O Seminário, que terá continuidade e será finalizado no dia 30.10, se propôs a ser um espaço para assegurar um lugar de fala, para serem ouvidas e levadas à sério, as diversas vozes que tradicional e historicamente são silenciadas e invisibilizadas no espaços públicos e privados da sociedade brasileira.
A abertura do I Seminário Àwúre contou com apresentação cultural Abayomi a primeira boneca de pano do mundo, de Wanessa Sabbath, atriz, arte-educadora, escritora e dramaturga, pesquisadora das culturas afro e indígena, e produtora cultural das diásporas africanas. A artista contou sobre mais uma história que não está nos livros, história essa da primeira boneca do pano do mundo. “Eu sou a sua ancestral que rasgou suas vestes para que eu pudesse estar aqui. Eu sou você, preto, nobre, representante dos guetos, muito prazer! Eu sou seu amuleto ancestral. A vovó Maria Conga sempre disse que nós somos trapos, mas de trapo em trapo nós resistimos por toda a parte e, unidos, encontraremos a liberdade sincera como o sorriso de uma criança que chora, mas cresce e espera sempre que dias melhores virão. Abayomi resiste!”
Para abrilhantar ainda mais o Seminário, o Projeto Àwúre, que acompanha a evolução das plataformas digitais, lançou seu Podcast, onde serão abordadas temáticas como inovação, diversidade, tendências, culturas e muitos outros temas de interesse dos povos originários e comunidades tradicionais, que devem ser objeto de debate. “Hoje, estamos lançando nosso o ‘Podcast Àwúre’, uma ferramenta que nós construímos para que possamos chegar mais longe e alcançar o nosso povo: os povos originários e comunidades tradicionais”, disse a Subprocuradora-Geral do Trabalho, Dra. Edelamare Melo.
“O Àwúre atua de diversas formas, em diversas frentes, e onde houver possibilidade para que a gente possa falar mais, chegar mais perto, escutar mais o nosso povo, com certeza a gente fará”, afirmou Raquel Dias, membra voluntária, da Secretaria Executiva dos Grupos de Estudos instituídos pelo do MPT para realização de escutas sociais dos povos e comunidades tradicionais de terreiro de religiões de matriz africana e afro-ameríndias, como previsto na Convenção 169 da OIT, e Resolução 230/2021, do Conselho Nacional do Ministério Público.
Além do lançamento do podcast, também foi lançada a campanha ‘Violência NÃO Combina com fé! Denucie! Disque 181’, para promover a cultura da paz e do respeito. “A campanha é um chamado à reflexão sobre as violências – físicas e morais- praticadas sob o argumento da existência de um credo ou crença, que se afirma superior a outras com o propósito de fazê-las sucumbir. Nesta perspectiva é uma forma de prevenir e combater o racismo religioso e afirmar o direito à liberdade religiosa. A idealizadora da campanha, Edelamare Melo, Coordenadora Nacional do Grupo de Trabalho “Povos Originários e Comunidades Tradicionais do Ministério Público do Trabalho, explica o objetivo da campanha: “O que se que quer é lembrar que não combina com fé nenhuma forma de violência, no ambiente familiar, comunitário, religioso e nas relações de trabalho, produção e consumo, no setor público ou privado.. É dizer, que a fé, o credo ou a crença religiosa não pode ser utilizada para assediar, ou como argumento ou pretexto para a prática de qualquer tipo de violência ou atos que atentem contra os direitos humanos fundamentais de qualquer ser humano, sem quaisquer distinções de raça, cor, credo e crença religiosa, idade, sexo, condição física e/ou mental, orientação sexual, identidade de gênero. É uma campanha dirigida à toda sociedade, aos religiosos dos diversos credos e crenças, aos servidores(as) públicos, às empresas, a todos(as). É uma campanha que pretende lembrar que quem quer que seja que presencie ou seja vítima dessas formas de violência pode e deve denunciar pelo disk 181, e canais de denúncias dos Ministérios Públicos, inclusive do Ministério Público do Trabalho – www.mpt.mp.br-, e órgãos do sistema de garantia de direitos, segurança pública, defensoria pública, Conselho de Direitos Humanos, dentre outros”.
No site Àwúre- www.awure.com.br- estão disponibilizados os canais de denúncias, que podem ser sigilosas ou anônimas. Toda forma de violência ou assédio motivada em credo ou crença religiosa deve ser denunciada porque “ Violência não combina com fé! Denuncie! Disk 181”
Foi anunciada, ainda, no Seminário, o lançamento de edital de chamada pública aberta à sociedade civil e à academia para apresentação de artigos científicos que versem sobre os eixos de estudos discutidos durante o Seminário. O Edital será publicado na página do MPT – www.mpt.mp.br – e no site do Projeto Àwúre: www.awure.com.br
“Todas estas ações estão sendo realizadas para garantir uma ampla escuta social prévia, livre e informada dos povos e comunidades tradicionais de terreiro de religiões de matriz africana e afro-ameríndias, na forma preconizada na Convenção 169 da OIT, e na Resolução nº 230 do Conselho Nacional do Ministério Público, como condição indispensável para a atuação institucional do MPT junto a estes segmentos sociais ”, disse Edelamare Melo.
O foco do Seminário, cuja continuidade e encerramento ocorrerão no dia 30.10, é o racismo religioso, o direito à liberdade religiosa, de credo, crença e culto, e as violações de direitos humanos fundamentais que afetam os povos e comunidades tradicionais de religião de matriz africana, e afro-ameríndias, em todos os setores da vida social, seja na esfera pública ou privada.
A Organização das Nações Unidas proclamou, em 1981, a Declaração sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e discriminação fundadas em religião ou crença, na qual afirma que toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Este direito inclui “a liberdade de ter uma religião ou qualquer crença de sua escolha, assim como a liberdade de manifestar sua religião ou crença, individual ou coletivamente, tanto em público quanto em particular”.
A Assessora de Direitos Humanos do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos (ACNUDH), Angela Terto, ressalta que “a prática é um direito firmado, e completa: “Quando falamos da prática religiosa de matriz africana, nós não estamos falando de privilégios, de poder, ou não, praticar essa religião, pelo contrário, nós estamos falando de um direito que está consolidado na comunidade Internacional e que foi incorporado pela legislação Brasileira”.
O sociólogo e pesquisador guinense Miguel Barros destaca que hoje é necessário falar do Estatuto de Igualdade Religiosa. Confira: “Enquanto não se produzir um Estatuto de Igualdade Religiosa, que sai para muito além do Estatuto de Igualdade Racial, será difícil superar o gueto nos quais os povos negros, os povos indígenas estão subjugados a partir de uma concessão da própria filosofia do estado que legitima a repressão dos grupos que não tem, ou não se reconhecem numa religiosidade ocidental”, afirmou.
Para finalizar, o Mestre em Antropologia Social e Doutor em Antropologia, Dr. Ordep Serra, falou sobre a “Arte e pensamento dos povos de terreiros”, e comentou práticas que geram ajuda mútua nos espaços sagrados dos terreiros: “A gente quando fala em terreiro tem que se lembrar de uma coisa importante, o que é um terreiro. Além dele ser um território recriado, ele é uma agência de saúde. As pessoas vão aos terreiros para receber cuidados terapêuticos, para serem tratados, seja com uma farmacopeia, seja através dos próprios ritos, pois os ritos têm função terapêutica, enfim, de diferentes modos o terreiro opera também como uma agência de saúde e não é só um templo.”
E completa: “Nos estudos feitos em Brasília, relacionados a umbanda, uma das coisas que mais chamou a atenção do professor foi que nos terreiros as pessoas podiam ser ouvidas.
“Fiquei impressionado, ali é um lugar onde as pessoas podiam ser ouvidas, gente muito pobre, gente de qualquer origem e também gente rica, que iam para lá para serem ouvidos. Pessoas que não encontravam com quem falar dos seus problemas e suas dificuldades, de suas doenças, de suas mazelas. E indo ao terreiro de umbanda, conversavam com o preto velho, com o caboclo e contavam tudo isso e recebiam conselhos. Isso tudo era uma ação terapêutica. É terrível a ação de quem nunca é ouvido, ela sofre muito”.
Nos terreiros de religiões de matriz africana são guardados valores, patrimônio histórico, artístico e cultural e um modo de vida próprias de um grupo, de uma cultura herdada de seus antepassados e ancestrais africanos. No entanto, esses valores nem sempre são respeitados na sociedade, razão pela qual Yá Márcia de Ogun no lançamento a campanha “Violência não combina com fé! Denuncie! Disque 181” afirmou: “Nós exigimos respeito. Chega de racismo religioso! Nós precisamos continuar lutando, constantemente, sem desistir, e motivando as pessoas para compreender essa diversidade religiosa que tem bases culturais. O indivíduo que discrimina um ser humano por conta da sua religião é um ser desprovido de conhecimento. Então, vamos ler, aproximar os conhecimentos de nós. Candomblé não é só uma religião, é um legado cultural que nós herdamos dos nossos ancestrais e podemos ver isso, a todo momento, nas ruas quando saímos, nas vestes, na culinária, na música, na expressão da arte, seja através da dança, do canto, ou das esculturas”.
Para assistir ao seminário completo, acesse o canal do Àwúre no YouTube.