Mesmo em tempos de máxima prosperidade econômica, a transição da escola para o mundo do trabalho formal representa um enorme desafio para a juventude. No atual contexto da pandemia de COVID-19, a perspectiva é que a crise crie mais obstáculos para a entrada de jovens no mercado de trabalho e estenda o período de transição entre o fim dos estudos e o momento em que os jovens ingressam no primeiro emprego. Em todo o mundo, o número de jovens desempregados chega a 67,9 milhões, segundo dados a OIT. Entre os jovens que mantiveram seus empregos, 42% tiveram queda na renda.
No Brasil, dados da Pnad Contínua do IBGE mostram que a taxa de desocupação entre os jovens de 18 a 24 anos foi de 31,4% no terceiro trimestre de 2020 – mais do que o dobro da média de desempregados do País no mesmo período, que está em 14,6%.
Para o consultor de gestão e carreira, Cristiano Saback, a pandemia afetou e muito os jovens. De acordo com Cristiano, que também é pós-graduado em Psicologia Analítica pela Faculdade Bahiana de Medicina (FBM), ritos de passagem foram interrompidos e tudo o que foi “prometido” enquanto se desenvolviam na adolescência ficou comprometido, gerando muita frustração e desânimo.
“Percebo isso, principalmente, nos clientes de orientação vocacional. Passaram o último ano do ensino médio se preparando para o ENEM e vestibular e quando foram aprovados, continuaram estudando na mesma sala de aula e com a mesma ferramenta, ou seja, quarto da casa”, explica Saback.
No entanto, muitos(as) jovens não foram capazes de fazer a transição do ensino presencial para o ensino online ou à distância. Tal cenário coloca em evidência os desafios para acabar com a divisão digital, por exemplo. Desde o início da pandemia, mais de 70% dos jovens que estudam ou combinam os estudos com o trabalho foram negativamente afetados pelo fechamento de escolas, de universidades e de centros de treinamento em todo o mundo. Isso significa que três em cada quatro estudantes e jovens que combinavam estudo e trabalho foram afetados pelo fechamento de escolas.
Os efeitos da crise sobre a economia e o mundo do trabalho colocam grandes obstáculos no caminho de jovens que buscam entrar no mercado de trabalho. Cristiano ressalta que algumas empresas estão começando a mudar sua estratégia.
“O que vejo sempre é o jovem reclamar que as portas só se abrem para quem tem experiência. Em parte, isso é verdade. Por um outro lado, já existem empresas que apostam em contratar jovens em busca do primeiro emprego e que estão dispostas a dar o treinamento adequado, para que esse novo profissional fique alinhado com os valores e missão da empresa, assim como possa atender às demandas do cargo que vai ocupar.”
Na Bahia, o projeto Àwúre Recôncavo, uma iniciativa do Ministério Público do Trabalho (MPT), do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), com parceria técnica da Plan International e Instituto Aliança, desenvolve ações que visam diminuir as dificuldades enfrentadas por jovens negros(as), da periferia ou de grupos sociais vulneráveis e objeto de preconceitos na busca pelo primeiro emprego durante a pandemia.
Para Alessandra, jovem beneficiada pelo projeto em Muritiba, município do Recôncavo Baiano, nascer em uma família que não tem condições financeiras de “bancar” uma educação de boa qualidade e enfrentar o mercado de trabalho é mais complicado do que se imagina. Com a pandemia, as oportunidades de emprego ficaram ainda mais escassas e as diferenças se tornam verdadeiros abismos para esses jovens.
“Você se sente um pouco inferior as outras pessoas, quando você é negro ou tem características negras e você vive num sistema que é desleal, é, digamos, onde há muitas diferenças, há uma desigualdade muito grande”, disse ela.
“Quando a gente chega em um lugar como o projeto Àwúre Recôncavo, desenvolvido aqui na comunidade, você se sente acolhido. Além de você perceber que existem pessoas que também têm as mesmas características que você e que estão buscando também ganhar um espaço no mundo, no mercado de trabalho, você percebe que mesmo com as dificuldades, mesmo com todas as desigualdades que ainda existem, é possível de alguma maneira a gente se tornar um pouco mais próximo, tornar um pouco mais possível que a gente venha a ter no futuro uma esperança. ” Acrescentou ela.
Para Jamile, jovem beneficiada do projeto em Maragogipe, também na Bahia, sair da estatística e buscar por uma oportunidade justa no mercado de trabalho formal é quebrar toda uma estrutura construída baseada em gênero e raça.
“Dizem muitas vezes para nós que não vamos conseguir, desrespeitam nosso jeito de ser, nossa identidade de gênero. Aqui, no projeto Àwúre, dizem sempre o contrário, dizem que temos potencial e eu me enxerguei aqui, me enxergo hoje no mercado de trabalho. Nunca foi fácil, não vai ser fácil, mas eu sei quais são os meus direitos e sei que tenho o apoio de projetos como esse que me garantem o acesso ao mercado profissional. E se eu quiser também, posso criar meu próprio trabalho. ”, disse Jamile.
O Projeto Àwúre é uma iniciativa conjunta do MPT, da OIT e do UNICEF e está hoje em seis estados brasileiros com diferentes ações atendendo pessoas ribeirinhas, indígenas, quilombolas de religiões de matrizes africanas e de comunidades periféricas, sempre com o propósito de promover o respeito pela identidade, diversidade e pluralismo. O Àwúre busca que o trabalho decente chegue a todas, todes e todos e, para isso, promove ações de educação, aprendizado e profissionalização em seus projetos.