“Sueli Carneiro nos mostra o quanto que o pensamento intelectual das mulheres negras é fundamental e, principalmente, é uma ferramenta em todo esse processo de luta antirracista no Brasil e no mundo.” (Geyse Anne)
Aparecida Sueli Carneiro nasceu em São Paulo em 24 de junho de 1950. Filósofa, palestrante, doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), escritora e fundadora do Geledés – Instituto da Mulher Negra – primeira organização negra e feminista independente de São Paulo-, Sueli tem seus anseios voltados para pensar a condição da mulher negra e da população negra na sociedade brasileira. Por muitas vezes, sua história se encontra com a história do movimento negro no Brasil, até porque, a partir da década de 1970 o movimento ressurgiu, principalmente com a origem do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNU), e assim como outros expoentes, por exemplo, Abdias Nascimento, Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Sueli Carneiro também estava ali presente buscando tencionar cada vez mais as temáticas na sociedade brasileira, levando em consideração a população negra e a mulher negra para pensar com novas perspectivas.

Sueli Carneiro recebeu inúmeras honrarias em reconhecimento ao seu trabalho. Dentre elas destacam-se o Prêmio de Direitos Humanos da República Francesa (República Francesa, 1998); Prêmio de direitos humanos Franz de Castro Holzwarth (Ordem dos Advogados do Brasil, 2003); o Prêmio Bertha Lutz (Senado Federal Brasileiro, 2003); o Prêmio Benedito Galvão (OAB-SP, 2014) e o Prêmio Itaú Cultural 30 Anos (Itaú Cultural, 2017). Em 2005, Sueli Carneiro se tornou doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE-FEUSP), com a tese “A construção do outro como não-ser como fundamento do ser”, sob orientação da professora Roseli Fischmann.
Recentemente, a Universidade de Brasília (UnB) concedeu a Sueli, o título de doutora honoris causa. O título de doutor honoris causa é dado a pessoas com “relevante projeção nacional ou internacional, que tenham contribuído de modo notável, para o progresso das Ciências, Letras, Artes ou Cultura em geral e/ou que tenham beneficiado de forma excepcional à humanidade ou o país. Essa foi a primeira vez que a UnB deu o título para uma mulher negra.
É importante ressaltar, como ela mesma afirma, “Eu sou produto do movimento negro, foi ele que me formou”. Então, justamente mostrando como esse processo de construção social, de construção política tem muito a ver com esses anseios que foram desenvolvidos em prol da população negra ao longo do processo histórico.
Por acreditar que o feminismo branco, que era tido como esse feminismo hegemônico não dava conta das pautas das mulheres negras, Sueli Carneiro foi uma das pioneiras no debate em pensar no enegrecimento do feminismo no Brasil, até porque, para ela, pensar nas demandas das mulheres negras, como também pensar nas demandas da população negra, é pensar nas lutas sociais pela reivindicação de direitos que por muitas vezes foram negados. Sueli explica a importância desses movimentos. “Nós, mulheres negras, somos a vanguarda do movimento feminista nesse país; Nós, povo negro, somos a vanguarda das lutas sociais deste país, porque somos os que sempre ficaram para trás, aquelas e aqueles para os quais nunca houve um projeto real e efetivo de integração social”.
Pensar em Sueli Carneiro, pensar em na sua história é entender as relações que foram sendo construídas ao longo do processo histórico. É pensar na movimentação desenvolvida pelo movimento negro, é pensar nas pautas das mulheres negras e pensar em todas as sociedades para além do que é dito. Portanto, Sueli Carneiro vem sendo esse grande expoente da sociedade brasileira que busca pensar em novas perspectivas, trazer reflexões antirracistas pensando na mulher negra, pensando nas desigualdades para assim construir uma nova sociedade que busque trazer perspectivas positivas para esses grupos que por muitas vezes foram marginalizados.
A procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT), Cecília Amália Cunha Santos dá aula de letramento racial e trabalha com a obra de Sueli, e fala o quanto ela é importante em nossa sociedade.

Sueli é uma filósofa que ao longo da vida nos brindou com reflexões sobre o pensamento feminista negro no Brasil, e seu pensamento, assim como sua militância no Instituto Geledés, foram fundamentais para o debate racial e de gênero e construção de um modelo alternativo de sociedade. Estudamos o pensamento de Sueli Carneiro ao longo da formação do cursinho “Tecendo a Diversidade”, que prepara mulheres negras para o ingresso na carreira de Procuradora do Trabalho, pois acreditamos no poder transformador e empoderador de suas reflexões para a construção de uma representatividade racial qualificada e transformadora dentro do MPT.
Geyse Anne da Silva, é graduanda em Pedagogia na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), comunicadora popular e atualmente coordenadora de mulheres do Movimento Negro Unificado (MNU) do Ceará, e conta como foi que conheceu a obra de Sueli Carneiro e como isso mudou a vida dela .
“Eu conheci a Sueli Carneiro no início da minha militância dentro do movimento negro. O texto “Enegrecer o Feminismo”, foi muito importante dentro da minha trajetória, porque eu entro no movimento negro mais ou menos em 2010 e 2011 e mesmo sendo uma mulher negra, os espaços de feminismo que eu participei nenhum ainda tinha me apresentado à pauta racial. Eram espaços feministas muito embranquecidos e o movimento negro também não conseguia abarcar essa pauta das mulheres. Foi então que, em uma das atividades no Coletivo Nacional de Juventude Negra – Enegrecer, levaram esse texto, que tem tudo a ver com o coletivo, pelo título “Enegrecer o Feminismo”, esse livro me abriu os olhos em uma dimensão que até então eu não tinha noção, seja pelo histórico organizativo das mulheres negras no Brasil, mas, principalmente, pela demarcação que ela faz no decorrer do texto, tratando e setorizando as mulheres, seja no trabalho, na saúde, na participação política. Esse recorte racial dentro da pauta de gênero foi um grande marcador, pois eu sendo do Ceará e a Organização de Mulheres Negras também, naquela conjuntura, era um momento de fortalecimento e isso foi muito importante”.
Após conhecer a obra de Sueli, Geyse se aprofundou ainda mais.
“Depois que eu conheci o texto “Enegrecendo o feminismo”, eu fui atrás do Geledés, que tenho como uma fonte de pesquisa, de notícia, de construção de narrativas e o que eu fico feliz nesse processo de conhecimento, enquanto uma militante, que me referencio nessa trajetória de Sueli carneiro, é um como que ela usou da organização, dessa ferramenta que é a trajetória da vida das mulheres negras, que é a organização das mulheres negras para fazer um canal de comunicação. A gente sabe que a comunicação hegemônica e até mesmo a comunicação independente, ela também está nas mãos da branquitude. Então, antes de surgir diversos canais, como é hoje, seja no Instagram, YouTube e nos navegadores, nós precisamos entender a Sueli como uma força motriz da comunicação negra no Brasil e no mundo”.
Geyse comenta como foi conhecer Sueli pessoalmente, sendo esse um momento da realização de um sonho. “Em meio a esses momentos marcantes que a gente leva para o coração, para dentro da atuação política, jamais irei esquecer o dia em que eu pude abraçar e encontrá-la pessoalmente. Isso ocorreu no 2ª Encontro Nacional das Mulheres Negras, em Goiânia. Esse foi um evento fantástico, onde estiveram presentes Angela Davis, Conceição Evaristo e Sueli Carneiro. Foi um momento da realização de um sonho, de conhecer a pessoa que fornece ferramentas e um referencial político e acadêmico, por isso é necessário homenagear os intelectuais e as nossas referências de mulheres negras em vida. Esse foi um momento muito marcante, e não tenho a foto só digital, fiz questão de imprimir, pois é nossa memória”.
O Àwúre, inciativa do Ministério Público do Trabalho(OIT), da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), recomenda que leiam sua obra! Escutem o que Sueli tem para nos ensinar e contribuir para a sociedade, pois todo seu processo de vivência vem sendo construído de maneira positiva e reflexiva, para se pensar novas perspectivas. Que, hoje, dia de seu aniversário de 72 anos, celebraremos a vida de Sueli, uma grande intelectual brasileira, mulher inspiradora e incansável, uma grande referência de luta.