“Nunca cheguei para ninguém e falei ser umbandista, isso é algo que poucas pessoas sabem. Talvez o fato de não comentar abertamente que sou de religião de matriz africana seja pelo receio de alguém me julgar ou falar algo que possa ser ofensivo”. O medo do preconceito faz Lorraine Santos, de Brasília, se calar sobre sua religião. Até hoje, quando lhe perguntam sobre religião no ambiente de trabalho ela prefere esconder.
As religiões de matrizes africanas são parte da diversidade religiosa do Brasil e têm como referência a cultura trazida pelos africanos durante mais de 300 anos de escravidão.
Desde a chegada ao Brasil, os negros foram alvo de perseguições por manifestarem a sua fé, mas ainda hoje, em 2021, os episódios de intolerância religiosa fazem parte do cotidiano.
As denúncias de casos referentes à intolerância religiosa, enviadas à Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), pelo Disque 100, aumentaram 41,2% no primeiro semestre de 2020 em relação ao mesmo período de 2019. Se comparado ao mesmo período de 2018, as denúncias aumentaram 136%, segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH).
Os caminhos para acabar com a intolerância
Também adepto da religião de matriz africana e hoje chefe de uma casa de candomblé no Rio de Janeiro, o Babalorixá Joaquim Azevedo comenta que já sofreu muito preconceito e sempre procurou esconder sua religião no ambiente de trabalho. “Sofri muito preconceito de amigos. No ambiente de trabalho, sempre foi tudo muito velado, por conta da posição que eu ocupava. Entretanto, sempre ouvi frases ditas de forma escondida, como: cuidado, ele é macumbeiro e pode lhe prejudicar.” Ao longo da vida, ele decidiu, muitas vezes, se afastar de quem era intolerante. Joaquim acredita na educação como uma forma de mudar isso.
“Vejo o ensino religioso inclusivo nas escolas como democrático e essencial. O período escravocrata necessita também ser mais esclarecido para que não haja banalização do mesmo. Ainda tem gente que acredita em drama exagerado por parte do povo negro. É absurdo imaginar que a religião oriunda da África é perseguida e proibida nas favelas do Rio de Janeiro, por exemplo. Inadmissível banir de sua base histórica, a cultura de uma gente que se perde cada dia mais dos seus e de sua origem. Educar os fatos é fundamental para o entendimento da dor desse povo perseguido e massacrado diariamente”. Coloca o Babalorixá.
Um outro caminho é debater o tema. Um desses debates acontecerá no dia 25 de maio, às 14h, na live “Desafios no Trabalho, Resistência e Lutas” no Canal Àwúre. O Canal foi criado em 2019 como um espaço voltado para a população atendida pelo projeto Àwúre, mais de 100 mil pessoas indígenas, negras, quilombolas, ribeirinhas, de comunidades periféricas e praticantes das religiões de matriz africana em 6 estados brasileiros. Realizado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), pela Organização Internacional do Trabalho (OIT)) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o projeto Àwúre busca promover o trabalho decente por meio, também, do respeito à diversidade e ao pluralismo das populações atendidas.
A subprocuradora-geral do MPT, Edelamare Melo assinala que “para combater o racismo religioso no mundo do trabalho é necessário denunciar, romper com o pacto do silêncio que se estabelece entre assediador e assediado, que permanece nesta situação para garantir um posto de trabalho. É preciso tratar a questão dando o nome correto às práticas de racismo religioso, que se manifestam por violências físicas e morais. O nome é crime, que está para a além da simples intolerância, por isso a denúncia ao MPT e demais canais do sistema de garantias de direitos deve ser acionado para retirar da invisibilidade o que é fato, é realidade!”
De Planaltina (DF), o pai de santo Wesley Antunes, da Tenda de Umbanda Pai Antônio de Nagô, conta que sempre escolheu enfrentar a intolerância. Nunca escondeu ser de religião de matriz africana e por esse motivo já escutou muitas falas preconceituosas.
“As pessoas criam suas próprias razões e fazem delas suas verdades. Pessoas que não têm o conhecimento, na grande maioria cristã, e acham que tudo que nós fazemos é algo demoníaco. Falam que nós não vamos para o céu.”, conta Wesley, acrescentando que era no ambiente de trabalho onde mais ouvia essas falas.
“Tudo isso ocorria no meu ambiente de trabalho. Outra situação é que às vezes essas pessoas acabavam me constrangendo com algumas brincadeiras de mau gosto, disfarçadas por um duvidoso senso de humor, por exemplo, “lá vem o macumbeiro”, “esse aí é da macumba”, “olha, esse perfume que você está usando é de macumbeiro”, são essas falas assim que são chatas de serem ouvidas”.
Antunes também comenta que as pessoas que fazem “chacota” são as mesmas que o procuram quando precisam de ajuda.
“O mais engraçado é que muitas das vezes essas mesmas pessoas me procuram interessadas em saber mais sobre a vida de um adepto de minha religião ou procuram perguntando como podem fazer algo para melhorar a vida. Eu sempre os ajudo e não saio nem divulgando quem é e muito menos procuro ganhar algo em cima disso. O que me importa é como a bandeira da umbanda diz: “O amor, a caridade e a paz”, é isso que me interessa.”
No caso de discriminação religiosa no mundo do trabalho, a vítima deve denunciar através do site do MPT , pelo Sistema Ipê ou através da Central de Denúncias (Disque 100) da Secretaria de Direitos Humanos. Também deve procurar uma delegacia de polícia e registrar a ocorrência.