“Minha vida está uma bagunça só porque eu sou mulher preta e de Terreiro!”, assim desabafa Marilia Alves, assistente social, mãe negra, nordestina e filha de Oxalá. Sua filha mais nova, de seis anos, já não faz mais parte do seu convívio diário. Marília acredita que teve a guarda retirada por causa de preconceito religioso.
“Meu ex-marido nem pegava minha filha, ele via minha filha uma vez na semana e pagava R$150 reais de pensão. Era um acordo nosso esse valor. Eu ainda não era Filha de Santo. Passou um tempo eu comecei a frequentar o Terreiro, daí tudo mudou. Quando minha filha ia para a casa do meu ex-marido, ela ouvia ofensas aos orixás.”, desabafa Marilia. A assistente social, que briga na justiça com o ex-marido, afirma que foi acusada por ele de negligenciar a filha e ela acredita que isso aconteceu por preconceito religioso.
Já Elaine Ferreira, que é funcionária pública no Cabo de Santo Agostinho (PE), praticante de candomblé, diz que viu sua opção religiosa ser alvo de preconceito e discriminação dentro do ambiente de trabalho. Elaine foi acusada de praticar rituais dentro do trabalho.
“A denúncia diz que eu trago velas, incensos e imagens para o meu trabalho. Dai fica o questionamento: o porquê disso? E aí eu me questiono, ate quando nós de candomblé vamos ter que passar por isso? Quantas iguais a mim não existem por aí? Quantas denúncias não tem por aí?”. Integrante do Movimento Negro Qualificado do Estado de Pernambuco, a pernambucana entrou em contato com a coordenadoria de igualdade racial do estado e busca agora solucionar mais esse problema envolvendo sua religiosidade.
O artigo 208 do código penal determina que “Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso está sujeito a pena de detenção, de um mês a um ano de prisão , ou multa.”
Durante o Seminário “Direitos Humanos Fundamentais dos Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiros de Religiões de Matriz Africana, que acontece neste sábado (23/10) através da plataforma EAD Àwúre Educa, será lançada a campanha “Violência não combina com fé”, um chamado à reflexão sobre as violências – físicas e morais- praticadas contra algumas religiões, principalmente a dos povos originários e comunidades tradicionais, entre eles, as comunidades de religiões de matriz africana. A campanha busca prevenir e combater o racismo religioso e afirmar o direito à liberdade religiosa.
De acordo com Edelamare Melo, Subprocuradora- geral do Trabalho do Ministério Público do Trabalho(MPT), a campanha é dirigida à toda sociedade, aos religiosos das diversas crenças. “É uma campanha que pretende lembrar que quem quer que seja que presencie ou seja vítima dessas formas de violência pode e deve denunciar pelo disque 181 e pelos canais de denúncias dos Ministérios Públicos, inclusive do Ministério Público do Trabalho. O que se quer é lembrar que nenhuma forma de violência, no ambiente familiar, comunitário, religioso e nas relações de trabalho, produção e consumo, no setor público ou privado, combina com a fé.” Destaca a Subprocuradora.
No site do Àwúre, projeto de iniciativa do MPT, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), – www.awure.com.br – estão disponibilizados também outros canais de denúncias, que podem ser sigilosas ou anônimas. Toda forma de violência ou assédio motivada em credo ou crença religiosa deve ser denunciada porque “ Violência não combina com fé! Denuncie! Disque 181”