“A única coisa que queremos é viver em paz nosso território, viver como realmente nós queremos, com nossa essência originária.” (Ageu Guajajara)
Os indígenas guardam a história viva do nosso país e têm uma enorme importância para a nossa cultura e na construção da identidade nacional brasileira. A cultura e tradições desses povos estão presentes em elementos como a dança, festas populares, culinária, religiosidade, e, principalmente, na língua falada no Brasil.
Pouca gente sabe, mas, em maio, no dia 18, é comemorado o Dia das Raças Indígenas da América, data muito importante para o Brasil, país cuja diversidade é tão acentuada. Mas há, também, outras datas que homenageiam os povos originários, como o agosto indígena e o próprio dia 19 de abril, que poderia ser chamado de falso Dia do Índio, já que a palavra “ índio” foi criada pelos colonizadores portugueses e essa sempre foi uma data que estigmatizou os povos indígenas.
É necessário, sim, celebrar os nossos irmãos e também lembrar sua luta, invisibilidade e genocídio ao longo dos séculos.
No Brasil há uma grande diversidade de povos indígenas que vive no país , apesar disso, somente em 1991, os povos indígenas foram incluídos pelo IBGE no censo demográfico nacional, o que prejudicou o processo de conscientização sobre a necessidade de proteção e da elaboração de políticas públicas para os povos originários, presentes aqui antes mesmo de nosso território ser chamado de Brasil.
Segundo o Censo IBGE 2010, os povos indígenas somam cerca de 896.917 pessoas. Destes, 324.834 vivem em cidades e, 572.083 em áreas rurais. Segundo dados mais recentes produzidos pelo Instituto Socioambiental (ISA), as terras indígenas (TIs) somam 728 áreas em diferentes fases do procedimento demarcatório. Assim, 13% do território nacional são reservados aos povos indígenas.
Os povos originários possuem papel determinante para o desenvolvimento sustentável da humanidade como um todo. Em seus estilos de vida, são comuns a preservação do meio ambiente e o uso sustentável dos serviços ambientais, para legar às gerações futuras uma floresta saudável plenamente capaz de proporcionar vida a seus habitantes. Nesse aspecto, e em muitos outros, é possível afirmar que são indispensáveis. São os povos indígenas que protegem, recuperam e fazem o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, combatendo a desertificação e buscando reverter a degradação da terra.

A indígena Kowawa Kapukaja Apurinã (Pietra Dolamita) é antropóloga e arte-educadora do Instituto Pupykary e Coletiva: Artivismo Indígena fala sobre a data 18 de Maio, pouco conhecida até entre os indígenas
“A data de 18 de maio foi instituída a partir de um encontro que aconteceu no México. O Governo do Brasil instituiu o 19 de Abril, que é uma data que também tem que ser lembrada e que foi criada pelo governo de Getúlio Vargas, algo artificial e arbitrário. No entanto, de algum modo e como processo de resistência e ressignificação dessas datas, que é o que nós indígenas fazemos, o 19 de Abril torna-se uma data que nós elegemos para protestos. Na América Latina ou Abya Yala, a gente considera a data 12 de outubro “Dia da raça” ou “Día de la Raza”, dia da chegada dos colonos na América, e no qual utilizamos para fazer nossas reivindicações e ao mesmo tempo contrapor essa invasão forçada e o extermínio de muitos povos na América [Abya Yala] que aconteceram.”
Ela ainda ressalta:
“É importante também pensar que a data 19 de abril foi mudada de nome. Saiu Dia do Índio, porque índio é uma palavra genérica do qual se tentou tirar a identidade dos povos indígenas que habitam no Brasil, generalizando a identidade indígena e, índio, como fala Daniel Munduruku, está lá na tabela periódica, e nós somos outras coisas, somos outras pessoas, eu sou Apurinã, como tem o povo Maxakalí, Kaingang, entre outros 305 povos no Brasil, que sobreviveram ao processo de colonização, invasão e expropriação de territórios”.
Questionada sobre como resguardar a memória dos povos indígenas, Kowawa diz que a história não é linear.
“Nós, inicialmente, povos da oralidade, sempre guardamos as nossas memórias através das nossas narrativas e relatos. As nossas histórias não são mitos, mas acontecimentos do qual fazemos parte historicamente. É importante também pensar que a história não é linear, conforme o ocidente sempre coloca. A preservação da nossa memória está no sentido ancestral, no sentido de pertencimento dos nossos velhos, pajés, rezadeiras e anciões”, afirma.
E de que modo eles preservam essas memórias?
Kowawa explica que
“Dentro dos territórios existem muitos modos de fazer. Agora estamos dentro das universidades produzindo documentação necessária para isso. É importante também lembrar o projeto “Os Brasis e suas memórias“, trabalho com a colaboração brilhante do mestre João Pacheco de Oliveira e outros colaboradores, que traz mais de duzentas bibliografias de povos indígenas com narrativas e relatos, de algum modo reconstruindo uma história sobre as perspectivas dos povos indígenas. A nossa memória não é algo solto, mas é algo que provém de toda epistemologia indígena, pois nós somos detentores de saberes de uma refinada forma de organização e somos povos indígenas, civilizações. É preciso ter esse olhar em relação aos povos indígenas, nós somos civilizações, e como civilizações nós temos modos de viver, modos de aprender e modos de estar nesse mundo”.
Kowawa finaliza comentando a tentativa de apagamento da história dos povos indígenas.
“O que aconteceu em 1500 foi um atravessamento da nossa história, uma tentativa de apagamento. É importante também lembrar que, durante todo esse processo de apagamento, muitas memórias ficaram perdidas, mas, hoje, através dos nossos anciões, pajés, e da própria academia, nós resgatamos e trouxemos de volta o que nos foi tirado forçadamente. O planeta terra depende da existência dos povos indígenas.”
Mãe e Mulher Guarani, artivista visual e comunicadora indígena independente, Miguela Guarani fala sobre sua área, o audiovisual, ferramenta que tem sido usada pelos povos indígenas como forma de denúncia e diálogo pela sociedade.

“Sempre que me perguntam como minha geração tem utilizado essa ferramenta, eu me lembro de uma frase de um filósofo Guarani Kaiowá, Dr. Almires Machado. Uma vez ele falou que nosso Maracá [instrumento indígena] é como se fosse um pen-drive, e que toda vez que a gente chacoalha ele, conseguimos acessar as nossas memórias ancestrais. Isso me remete ,também, a vários debates que vêm sendo fomentados dentro dessa nova onda de pensadores indígenas da contemporaneidade, de como isso são ferramentas da nossa tecnologia ancestral. E, como fazer e transpassar isso para uma sociedade que ainda acredita que ter um celular te faz menos indígena ou faz não ser indígena? E pensar nisso, me vem na memória todas as vezes em que essa fala é usada contra nós. Me vem a imagem da gente segurando o celular e filmando essa pessoa despejando esse mar de preconceito, de ódio e de racismo. É usar o que é usado contra nós, contra eles mesmos também. São muitas barreiras a serem quebradas, estamos aqui na luta para falar nossa verdade. Ninguém irá nos calar”.
O estudante de geografia pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Germano Kaiowá, faz parte do Povo Guarani Kaiowá do Estado de Mato Grosso do Sul, e mora em uma área de retomada chamada de Guyra Kambiy, no interior de Mato Grosso do Sul. Jovem e bem ativo nas lutas, Germano diz como é vivenciar esses momentos que, por muitas vezes, são dolorosos.

“Eu cresci na luta, desde quando eu era criança meus pais já me levavam na luta pela demarcação de terras. Quando criança, eu não sabia o que era essa batalha, mas eu via meus pais lutando pelo território, e hoje, ainda acontece. Com isso eu aprendi a lutar. Hoje, sou um jovem que cresceu em uma área de retomada e temos esse lugar como um território sagrado que chamamos de Tekoha, onde nossos antepassados moravam. Eu já vi muitas lideranças sendo assassinadas nessa batalha, principalmente no território do Mato Grosso do Sul, e sempre irei lembrar dessas tragédias que aconteceram, ver um jovem morrer lutando é triste para nossa realidade”.
Outro jovem que também está ativo na luta indígena, é Ageu Guajajara do Estado do Maranhão, influencer e comunicador ele diz que “A única coisa que queremos é viver em paz nosso território”.

“Há um ano que comecei a participar do movimento Indígena, que me faz ser ainda um iniciante. É extremamente relevante ver como nós, povos indígenas, estamos unidos nessa luta, uma vez que se trata da nossa vida, da vida dos povos originários. 522 anos de Brasil e ainda sofremos preconceito, ainda não nos conhecem o suficiente. Mas temos, também, apesar de pouco, não-indígenas que procuram conhecer a luta e como vivem os povos indígenas atualmente, se sensibilizam e apoiam a nossa luta e se somam nessa causa. Que estamos lá pela vida, estamos pelo nosso território que é nossa “casa”, resistência por quem somos. Fico muito feliz e realizado quando estou no movimento participando da luta, estar ali é uma emoção que eu não consigo descrever com palavras, porque estarmos juntos com culturas, rituais e cantos diferentes nos enche de uma força indescritível. A única coisa que queremos é viver em paz no nosso território. Viver como realmente nós queremos, com nossa essência originária e, por isso, lutamos contra qualquer coisa que ameace a nossa vida, ameace a nossa existência”.
O Àwúre ressalta que os povos indígenas são os que mais protegem a vegetação nativa. Assegurar os direitos dos povos indígenas e sua proteção é assegurar nosso futuro. E que nossos irmãos indígenas tenham a certeza de que sempre caminhamos juntes. Viva os indígenas do Brasil e das Américas e que cada data em homenagem aos povos originários brasileiros se multiplique e que no futuro próximo, todos os dias sejam dias com menos necessidade de lutas e mais respeito aos indígenas.