“A mensagem que deixo para sociedade é de mais união, mais amor. A sociedade tem que se abrir mais a nós. A gente só pede paz e amor e o nosso direito de ir e vir.” Essas são as palavras de Rochelly Rangel, mulher trans, atendente e consultora pedagógica na Faculdade Descomplica, no Dia Nacional da Visibilidade Trans.
O Dia Nacional da Visibilidade Trans e Travesti, celebrado no dia 29 de janeiro desde 2004, é uma data que marca uma luta pela cidadania e respeito a travestis, homens e mulheres trans. Uma parcela da sociedade que sofre grande discriminação, é vitima de violência e enfrenta enormes dificuldades no acesso a direitos básicos.
É importante ressaltar a invisibilidade que decorre desde a falta de documentos, por exemplo. Qualquer pessoa de qualquer população específica, não necessariamente pessoa trans, quando não tem documento, ela não consegue acessar os mais diversos serviços e direitos básicos, como o direito à saúde, à educação e a auxílios sociais que possibilitam um desenvolvimento.
Quando se observa a população trans, o primeiro direito que era muito difícil de ser adquirido, era o direito a identidade, a autoidentificação.
O decreto nº 8.727, de 28 de abril de 2016, garante o direito ao uso do nome social e reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Ou seja, a pessoa travesti ou transexual tem o direito de indicar por qual nome é socialmente reconhecida e desde 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que a população trans pode alterar o nome e o gênero no registro civil sem cirurgia ou processo judicial.
Mulher transexual e funcionária da Organização das Nações Unidas, trabalhando como assessora de Apoio Comunitário do UNAIDS, programa da ONU que objetiva o fim da AIDS através da redução das desigualdades, Ariadne Ribeiro, fala sobre a satisfação em fazer a diferença na vida das pessoas através do seu trabalho e também comenta sua árdua jornada até a posição em que se encontra hoje. A mudança foi difícil, mas só foi possível a partir da educação e de muito esforço.

“Era muito difícil lidar com todas as dores da rejeição e também da morte da única pessoa que me dava apoio na vida, que foi minha avó, sem que eu tivesse uma muleta. Ainda bem que essa muleta precisou durar pouco tempo para eu acordar, e o estudo foi uma coisa transformadora na minha vida. A partir do momento que eu consegui voltar a estudar, que eu passei a desejar muito aprender e até hoje eu desejo, sou uma pessoa que tem ânsia por aprender conhecimentos novos.” Ariadne se orgulha de ser uma referência para outras pessoas como ela. “Acredito que se hoje eu consigo ser uma referência para a população trans, eu fico muito honrada e tenho para mim essa é uma grande responsabilidade com a qual eu desejo honra-la da forma mais bela e consciente possível. Eu falo de um lugar onde eu tenho a possibilidade de financiar projetos que estão liberados pela comunidade, então tenho ações concretas de apoio à população trans, mas não precisa estar na posição que eu estou para apoiar a vida de pessoas trans. Bastam às pessoas deixarem de ser transfóbicas, basta que as pessoas reconheçam o gênero com o qual as pessoas trans se identificam, basta que as pessoas passem a olhar para a existência de pessoas trans como pessoas que podem ser convidadas para jantar na mesa junto da nossa família, pessoas que podem compartilhar com a gente dos momentos cotidianos da vida, para a gente mude a história, para que a gente mude a realidade de diversas pessoas que são excluídas de todos esses ‘pequenos’, porém grandes, acontecimentos cotidianos. Às vezes um jantar em família pode não ter tanto significado para você que janta todos os dias com sua família, mas para uma pessoa trans tem um significado muito grande” disse Ariadne.
Com a ideia de trabalhar junto às empresas para confrontar a discriminação o preconceito causadores da grande dificuldade de acesso a empregos por esta população, foi criada, em 2013, a TransEmpregos, o maior e mais antigo projeto de empregabilidade de pessoas Trans do Brasil.
Cuuritibana e mulher transexual, Maite Schneider, viu no mundo dos negócios uma possibilidade de abrir portas e transformar a vida de pessoas trans dando oportunidades. Maite é cofundadora da plataforma TransEmpregos, onde vem conseguindo promover a inclusão, diversidade e representatividade.

“É incrível que em oito anos a gente tenha conseguido tantos resultados. A gente acabou de fechar parceria com a empresa de número 1500. A ferramenta teve um aumento de quase 300% de vagas, foram 797 pessoas trans contratadas só no ano passado. Então já são milhares de pessoas trans nesses anos todos que a gente conseguiu ser ponte de possibilidades”.
Maite chama a atenção para a importância das empresas contratem pessoas trans e capacitar gestores e funcionários para construir um ambiente de trabalho mais humano e inclusivo, e que as pessoas trans possam ser quem elas realmente são.
“É lindo ver que competência não tem nada haver com a identidade, orientação, credo ou raça, mas ao mesmo tempo são essas especificidades que nos tornam seres humanos únicos. Eu vejo queo melhor de uma empresa, assim como melhor de uma sociedade, são os humanos que a compõem. É lindo ver pessoas podendo ter dignidade, podendo ter atenção e tendo orgulho de trabalhar em um lugar e serem respeitadas da maneira que a sua essência é. Que essas pessoas possam ser o que elas realmente são, o ser humano que nasceram para ser, isso é algo que não tem preço” disse Maite.
Na TransEmpregos se incentiva e se ensina às empresas que a diversidade é a maior igualdade que a gente possui. E o maior sonho de uma das fundadoras da ferramenta é o contrário de qualquer empresário(a). “Nosso sonho é que acabar com a TransEmpregos, o sucesso do nosso projeto social totalmente gratuito, tanto para empresas quanto para pessoas trans, e a gente tem um sonho que vai ser o sucesso do nosso projeto quando a gente falir a TransEmpregos”. Isso significaria que as pessoas trans estarão tendo as mesmas oportunidades que todes.

A Rochelly Rangel, já fez parte do projeto e atualmente é embaixadora do programa TransGarçonne, um programa de extensão universitária da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que qualifica pessoas trans e dialoga com o mercado de gastronomia para fomentar a empregabilidade. “Hoje eu poder levar o do TransGarçonne por onde eu passo, é também um ato político e motivo de muita alegria, porque a TransGarçonne transformou a minha vida totalmente, me trouxe uma dignidade na qual eu não conhecia e posso hoje estar atuando como embaixadora e também fazer com que outras pessoas trans se encorajem em buscar os seus ideais, em busca de emprego. Rochelly fala como se sente conseguindo oportunidades que para muita gente são simples, mas que para as pessoas trans, muitas vezes, precisam de muita luta. “Ter dois empregos de carteira assinada e voltar para a sala de aula, em uma universidade federal aqui no Rio de Janeiro, algo muito distante para nós trans, mas que se tornou uma realidade graças a um curso de capacitação e às oportunidades que tive e espero que isso se torne realidade para muitas outras pessoas”.
O Àwúre, iniciativa do Ministério Público do Trabalho(MPT), da Organização Internacional do Trabalho(OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), segue na luta por um mundo que respeite todo tipo de diversidade de corpos e mentes.