Cristiane Sobral nasceu na zona oeste do Rio de Janeiro, no bairro Coqueiros, e hoje mora em Brasília. A atriz, escritora e professora de teatro é “mãe por adoção e militante antirracista”. Sua trajetória como mulher negra, órfã aos sete anos e adotada, reflete a realidade que pouco mudou ou quase nada ao longo da história.
“Passei muita fome na infância e na universidade ou comia ou pagava o transporte para ir às aulas. Muitas vezes não comi. Um dos maiores desafios da minha vida foi o acesso à escola. Ingressar e permanecer na universidade não foi fácil. A pandemia agravou as assimetrias sociais que já estavam presentes, com piores condições pra mulheres negras e trans em todos os setores da sociedade, a violência doméstica a falta de emprego e o genocídio dos jovens negros afetam as mães negras em especial.”, destaca Cristiane. Com ambiente de trabalho restrito para mulheres negras no teatro e na literatura, a censura e invisibilidade no mercado editorial também deixa marcas nas trajetórias das mulheres, muitas das vezes, vítimas de misoginia.

“O fascismo agrava o racismo e o machismo encontra mais espaço em função de todo o quadro de vulnerabilidade das mulheres. O adoecimento mental das masculinidades dá mais ênfase aos quadros misóginos. A intolerância religiosa e a desproteção de crianças também precisam ser destacadas”., comenta Cristiane que, recentemente, realizou Tour em nove Universidades estadunidenses inclusive Harvard como palestrante.
De acordo com o IBGE, 54% da população do Brasil é negra. Segundo a Associação de Mujeres Afro, na América Latina e Caribe, 200 milhões de pessoas se identificam como afrodescendentes. Entretanto, no Brasil e além das fronteiras, essa parcela populacional, principalmente as mulheres, também é a que mais sofre. O Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, criado em 1992 durante um encontro de mulheres negras em Santo Domingos, na República Dominicana, define a data como um marco onde a Organização das Nações Unidas (ONU) assume a luta contra as opressões de raça e gênero. No Brasil, desde 2014, foi instituído por meio da Lei nº 12.987, o dia 25 de julho como o dia da Mulher Negra e Dia Nacional de Tereza de Benguela, líder quilombola símbolo de luta e resistência do povo negro. A pandemia intensificou a vulnerabilidade da mulher brasileira, tanto no sentido da violência doméstica, quanto na questão do desemprego. Muitas mulheres que sustentavam suas famílias perderam seus empregos e começaram a trabalhar de maneira autônoma ou estão se submetendo a até relações abusivas para conseguir se manter.
Rebeca Elen tem 26 anos e é natural de Brasília. Bissexual, periférica e negra, Realleza, como é conhecida no meio artístico é Multiartista e Bacharel em Direito e se preocupa com essas situações.
“De acordo com o feminismo negro, o lugar da mulher negra ao longo da história, principalmente por conta da questão da escravização e do racismo são em 2 lugares fixos: o lugar da subalternidade, que são as mulheres negras, vista como empregada doméstica, como serventes, e o lugar da erotização de seus corpos, que é quando a gente entra na problemática da globeleza. Enfim, em relação ao corpo da mulher, é como se a mulher negra servisse única e exclusivamente para servir ao outro, né? Nunca a si mesma, ela sempre estaria numa posição de servilismo, servir através do seu corpo como um objeto. Como pode isso? É algo que está ali para fazer e não para ser.”, explica a afro futurista e militante do empoderamento negro artístico feminino.
“Eu me formei na faculdade e minhas irmãs já não vão precisar trabalhar como empregada doméstica. Existe uma mudança gradual acontecendo nesse lugar da mulher negra, mas ainda estamos muito longe de estar nos lugares onde gostaríamos de estar. Ainda estamos muito longe de tirar da cabeça da sociedade essa visão de subalternidade, erotização dos nossos corpos. A gente ainda está lutando para conquistar novos espaços.”

O mercado de trabalho é o reflexo da sociedade. Ele é sexista, machista e racista. Isso implica em menos oportunidades para as mulheres negras latino caribenhas. A população negra, no geral, incluindo jovens, homens e mulheres, é a mais penalizada, mas as mulheres negras sofrem impacto ainda maior.
“O número de indígenas, latinas, caribenhas no mercado de trabalho ainda não é o esperado. Nós ainda não conseguimos alcançar o lugar esperado porque a gente ainda está lutando com aquelas barreiras. As vagas de empregos dos melhores salários estão nas mãos das mesmas pessoas. Ainda estão nas mãos dos descendentes dos escravocratas, ainda estão nas mãos das pessoas que são privilegiadas. Das pessoas brancas, principalmente de homens brancos. Então, no mercado de trabalho, por conta desse racismo e desse sexismo que coloca a mulher negra como aquela que está a servir o outro e não aquela que está para comandar. Não aquela que está pra liderar. Isso acaba empatando o nosso desenvolvimento no mercado de trabalho. Acaba muitas vezes escondendo vários potenciais.”, destaca Rebeca.
De acordo com o Atlas da Violência de 2020 do Ipea, a cada duas horas uma mulher é morta do Brasil. Desse total, mais de 50% são assassinadas por arma de fogo e 38,9% desses homicídios acontecem dentro de casa. Quase 70% das mulheres vítimas de assassinato no Brasil eram negras, sendo que os homicídios de mulheres negras aumentaram 12,4%, enquanto os homicídios de mulheres brancas caíram 11,7%, em relação a 2019.

O Àwúre, projeto de iniciativa do Ministério Público do Trabalho, da Organização Internacional do Trabalho e do Fundo das Nações Unidas para a Infância, já beneficiou 60.224 pessoas dentre povos indígenas, negros e negras, quilombolas, ribeirinhos/as, moradores de comunidades periféricas e praticantes das religiões de matriz africana em 6 estados brasileiros (Bahia, Amapá, Tocantins, Pará, Acre e Roraima) e busca garantir o respeito, o trabalho decente e a equidade pra essas populações, formadas, majoritariamente, por mulheres negras. Busca, principalmente, garantir o direito à vida, à felicidade e a uma vida plena.