A mulher indígena de hoje ainda planta, colhe, ajuda na cultura, na pintura corporal, na dança, na música, porém ocorreram mudanças ao longo do tempo. A menina indígena a partir dos 14 anos de idade já não tem, hoje em dia, a obrigatoriedade de casar, de ter filhos, pois desde cedo já há um engajamento, um empoderamento e uma preocupação em lutar juntamente com os guerreiros, com os homens de sua aldeia a favor da terra. É em busca do estudo, da formação e com uma visão diferenciada de alguns anos atrás que a mulher indígena segue com seu protagonismo fazendo parte de diversos movimentos que procuram promover ainda mais as lutas e causas indígenas.
Segundo o Censo IBGE 2010, dos 817 mil pessoas indígenas distribuídas entre mais de 240 povos, 444 mil são mulheres. E, para ter uma voz ativa, as mulheres indígenas estão tomando o seu lugar que é de direito, seja no meio político ou nas aldeiaselas estão presentes em lideranças que representam a luta e a força que carregam.

A socióloga Anabela Gonçalves se considera uma mulher afro-indígena, pois ela compartilha, compactua e faz parte das tradições afro-brasileiras, sendo uma mulher do candomblé, indígena não aldeada, e que tem uma ancestralidade indígena muito forte. Aassim como os povos indígenas, os povos de terreiro precisam da floresta, precisam da mata, de Ossain para que os cultos sejam realizados.
“Vemos que as duas matrizes principais de fundação do povo brasileiro, que são os povos indígenas e os povos africanos, comungam da importância do planeta e da terra. Os orixás são representações naturais”.
A socióloga também comenta que não é só na política que as mulheres indígenas têm ganhado espaço.
“A mulher indígena não tem crescido só na luta política, mas na luta cultural dentro da arte. O desenvolvimento da arte, da cultura, da música indígena tem trazido ao nosso cotidiano outra relação, que é uma relação não folclórica, uma relação não exótica do ser indígena, mas se ver por meio dele assim como nós somos, como iguais e semelhantes que compartilham culturas iguais e culturas diferentes por conta da influência europeia. O protagonismo indígena da mulher indígena é fundamental para trazer alternativas sociais, alternativas políticas e alternativas culturais para que a gente possa desenvolver uma forma de vida que seja mais integrada às relações da terra e às relações humanas, que são as principais pautas, entre tantas outras. A principal pauta é a proteção do planeta, que é a fauna e flora, pois de nada adianta haver tantas outras conquistas políticas, se não houver planeta para compartilhar essas lutas”.
Cada vez mais, a mulher indígena exerce um protagonismo crescente na sociedade e dentro de suas próprias comunidades. Patrícia Naiara Kamayura, é mulher indígena, ativista e artesã e fala sobre esse protagonismo.

“Hoje, estamos alcançando lugares antes nunca ocupados, tanto dentro das nossas aldeias, como fora. Antigamente, não tínhamos voz dentro das nossas comunidades, e hoje estamos ao lado dos nossos homens lutando por nossos direitos. Fora da aldeia, estamos nas universidades, na política, no empreendedorismo e isso é um grande avanço. Por mais mulheres Indígenas no Topo!”
A artista considera desafiador ser indígena no Brasil, onde a violência sofrida se naturalizou.
“Ser mulher Indígena já é nascer guerreira, antes não conhecíamos essa palavra “ativista”, mas já nascemos ativistas. Somos mulheres que através dos nossos corpos damos vida, passamos nossa cultura e língua para nossos filhos. E, hoje, somos mulheres Indígenas contemporâneas, estamos ocupando espaços antes nunca ocupados por uma mulher indígena. Hoje, falamos por nós mesmas! E estamos na luta em defesa dos nossos territórios, florestas, em defesa da vida. A tecnologia tem sido nossa grande aliada. Infelizmente, o Brasil nega sua mãe “origem” Indígena. Somos 305 povos, e muito pouco se fala dessa diversidade. A mulher indígena muitas vezes é vista como objeto sexual, precisamos lutar contra isso. Desde 1.500 nossos corpos são violentados, “quantas avós foram pegas no laço” (estupradas)? Essa frase naturaliza o estupro contra nossos corpos. Nossos corpos são sagrados. E nos dias de hoje, em muitos territórios, ainda muitas mulheres indígenas são violentadas. Nossa luta é para que nossos corpos sejam respeitados. E que tenhamos políticas públicas voltadas para mulheres indígenas. Ainda somos muito invisíveis, não existem dados de violência contra mulheres Indígenas. Precisamos mudar isso. Ser mulher Indígena no Brasil, um país que naturalizou a violência contra nossos corpos, é desafiador”.
Para a artista visual, tatuadora e indígena, Adriane Kariú, ser a mulher indígena e estar na linha de frente nessa luta por direitos.

“Acredito que nós, mulheres indígenas, somos as grandes guerreiras de luta no Brasil. Lutamos para criarmos nossos filhos dentro da nossa cultura. Somos professoras, médicas, donas de casa, conselheiras, artistas e lideranças. Temos essa missão de honrar nossos avós e somos linha de frente na luta pelo território. Sofremos violências, mas temos nosso protagonismo e resistimos”.
Indígena não aldeada, Adriane fala sobre seu processo familiar e reconhece aquelas que a representam como mulher indígena.
“Eu não nasci numa comunidade indígena, nasci na cidade, quando meus avós saíram do território pra trabalhar. Meu povo sofreu muito com a diáspora nordestina. Mesmo assim, não é difícil perceber a força e o protagonismo das mulheres do meu povo, mesmo com todo apagamento que sofremos. Lutamos por esse protagonismo diariamente, nas universidades, em nossas famílias e nas cidades, nos afirmando, retomando o que é nosso. Dentro da sociedade, principalmente, é muito difícil. Mas temos representantes como a Joenia Wapichana e Sônia Guajajara que com certeza são exemplos de força e resistência”.
O Àwúre, iniciativa do Ministério Público do Trabalho (MPT)/ CONAETE/ GT “Povos Originários e Comunidades Tradicionais”, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), honra todas as mulheres indígenas que vieram antes, que lutaram, viveram e vivem com força, orgulho, amor e honra. Buscamos o reconhecimento dessa luta, para que o país reconheça, honre suas vidas e conquistas.
MULHERES INDÍGENAS, saibam que todas vocês são importantes! As que estão nas aldeias, nas cidades, as que cozinham, as que cantam nos palcos, as que cantam na fogueira, as criam seus filhos, as que estão na política, TODAS são importantes! Vocês são a natureza viva através de seus olhos, cantos, rezas, sorrisos e abraços. Mulher indígena, rainha originária, sua vida é importante hoje, amanhã e sempre.