“Me defino como alguém que teve a ousadia de sair da sua zona de conforto e buscar por algo melhor, pois nós, ribeirinhos, a maioria das vezes não temos oportunidades de estudar e conseguir um espaço na sociedade e quando almejamos isso temos que mudar para a cidade”, declara a ribeirinha Tamires (ou Thammy, como gosta de ser chamada) Carvalho, de 27 anos. Nascida no município de Muaná, no Pará, e atualmente mora na cidade de São Sebastião da Boa Vista, no mesmo estado, onde trabalha como professora. Ribeirinhos ou ribeirinhas são pessoas que vivem em comunidades próximas aos rios e que têm a pesca artesanal como principal fonte de renda. O reconhecimento dos ribeirinhos como Povo Originário foi assegurado através do Decreto Presidencial nº 6.040/2007, onde o Governo Federal admitiu pela primeira vez na história, a existência formal de todas as chamadas populações tradicionais. As populações ribeirinhas da Amazônia representam uma mistura de diferentes grupos sociais (indígenas e migrantes de outras regiões). Essas populações vivem em áreas rurais, às margens de rios e lagos na Amazônia brasileira, distribuindo-se em uma área geográfica com cerca de 5.020.000km².

“Trabalhei vendendo bolsas no Rio com minha mãe e o açaí era a principal fonte de renda. Atualmente sou professora. Sou formada e hoje retorno a minha comunidade a trabalho. Os meus antigos vizinhos sentem orgulho e, de alguma forma, eu contribuo, pois exerço um trabalho que leva políticas públicas para eles. Além disso, me defino como alguém que nunca esqueceu de suas raízes. Sempre que posso, vou até o interior para reviver novamente a forma que eu vivia antes e assim poder lembrar de onde eu saí. Mesmo saindo do interior, moro numa cidade Ribeirinha que fica no Marajó e, quando retorno para o local onde fui criada, posso vivenciar tudo novamente. Acho importante poder voltar e o sentimento continuar da mesma forma.” Conta Thammy.
A ideia de implementação em âmbito nacional de arranjos agroecológicos para as comunidades indígenas, quilombolas, de terreiro e ribeirinhas no contexto do Projeto Àwúre nasce no projeto Ubuntu, implementado pela Procuradora do Trabalho Cecília Santos, coordenadora da Procuradoria do Trabalho no Município de Araguaína, no Tocantins. Surgiu em 2019 e passou a fazer parte do Àwúre Quilombola. O projeto é centrado na sustentabilidade socioambiental e na inclusão social e produtiva por meio do desenvolvimento de produção agroecológica. As ações respeitam a cultura, tradição, modos de produção e consumo, religiosidade e saberes ancestrais.
“O Àwúre Ribeirinho na Ilha do Marajó alcançou 800 adolescentes para promover mudanças comportamentais para a prevenção e resposta à pandemia da COVID-19 e para apoiar estratégias locais para meninas e meninos vítimas de violência sexual e trabalho infantil. 120 profissionais de proteção infantil, dos municípios de Breves, Melgaço e Curralinho na Ilha do Marajó, que lidam com uma estimativa de 74.000 crianças por ano, proporcionando acesso seguro a mecanismos de reclamação, vias de encaminhamento eficientes e assistência especializada”, explica Nayana Góes, representante do UNICEF Brasil em Belém (PA) e responsável pelo Àwúre Marajó. O Àwúre Ribeirinhos na Ilha de Marajó visa fortalecer a rede de proteção contra violações de direitos de crianças e adolescentes na ilha. Entre as ações do projeto está o lançamento do Diagnóstico que foi produzido pela ONG Rádio Margarida, como parceira implementadora do projeto, que é uma iniciativa do Ministério Público do Trabalho (MPT), da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), com apoio do Governo do Estado do Pará e das prefeituras dos municípios de Breves, Curralinho e Melgaço.
Wallace Luiz Assunção França tem 30 anos, nasceu em Belém do Pará e mora no município de Oeiras. Neto de pescador, já trabalhou com o avô rio a fora e também como apanhador de açaí. Hoje, trabalha como professor e já tem dois livros publicados com contos e poesias que não o fazem esquecer jamais da sua origem nem das vivencias como Ribeirinho.

“Quando criança eu ouvia as histórias do meu avô sobre os casos, as lendas, sobre o boto que vira gente, a cobra encantada, Mantita Pereira e outras lendas que existem em nosso folclore, mas que são muito mais fortes no interior, principalmente na Amazônia. Isso me incentivou a ler e me interessar por histórias. No meu trabalho escrito com poesias e contos está muito implícito a questão da luta pela valorização da Cultura Amazônica, cultura ribeirinha. Em contrapartida, a negação a aquela contracultura que vem de fora, muitas vezes é o que as pessoas querem aqui da região. Elas valorizam mais o que vem de fora do que a nossa própria cultura.”
De acordo com a Subprocuradora-geral do Trabalho Edelamare Melo, para 2023 serão intensificadas as ações do Àwúre junto às comunidades ribeirinhas, as quais serão definidas em planejamento estratégico construído com base nas conclusões do III Simpósio Nacional e II Internacional sobre “Povos Originários e Comunidades Tradicionais”, realizado de 13 a 15/12/2022 pelo MPT em parceria com a OIT, UNICEF, CNMP e CNJ.

“O foco seguirá sendo o enfrentamento às piores formas de exploração do trabalho, notadamente o trabalho infantil e o análogo à escravidão, sustentabilidade, segurança nutricional e alimentar e inclusão social e produtiva respeitando os modos tradicionais de vida e precedido de consulta livre, prévia e informada, na forma prevista na Convenção 169/ OIT e Resolução 230/ CNP, que disciplina a atuação do ministério público brasileiro junto aos povos originários e comunidades tradicionais, com foco na implementação, controle e monitoramento de políticas públicas a cargo das três esferas de governo, federal, estadual e municipal.”, explica Edelamare.
O Àwúre Ribeirinhos faz parte do grande projeto Àwúre, iniciativa do Ministério Público do Trabalho(MPT), da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), que está presente em 6 estados brasileiros e busca igualdade, equidade, respeito pela identidade, diversidade e pluralismo dos Povos Originários (Indígenas) Comunidades Tradicionais (quilombolas de terreiros de religiões de matriz africana e ribeirinhas), e comunidades periféricas e para que o trabalho decente e os direitos iguais alcancem a cada um e cada uma.