“A criação do Ministério dos Povos Indígenas, para nós, é uma vitória histórica. Pela primeira vez na história do Brasil se tem a esperança da valorização do indígena. Se ele vai funcionar com muitos recursos como os outros, isso eu já não sei. O que sei é que isso é um ganho muito grande.” Assim, Sairi, escritor e liderança indígena Pataxó da aldeia Xandô, no vilarejo mais antigo do Brasil reconhecido pela UNESCO, Caraíva, define a criação do Ministério dos Povos Indígenas do Brasil.

A etnia Pataxó é encontrada em toda a Costa do Descobrimento, região que ocupa o extremo Sul da Bahia e compreendem os municípios de Porto Seguro, Santa Cruz Cabrália e Belmonte. Entre o século XVI até as últimas décadas do século XX, as políticas do Estado visavam eliminar a diferenciação étnica das aldeias indígenas, proibindo seu idioma nativo, seus ritos e costumes.
O Ministério foi criado em 1º de janeiro, primeiro dia do novo governo do presidente Luíz Inácio Lula da Silva por meio do decreto 11.355. Quem assumiu a pasta foi a deputada federal eleita Sônia Guajajara. A nova ministra é do povo Guajajara/ Teneteara, das Terra Indígena Arariboia, no Maranhão. Aos 10 anos de idade, Sônia saiu de sua terra para estudar na cidade de Imperatriz. Aos 15 anos, foi fazer o ensino médio, em Minas Gerais. Depois voltou para o Maranhão e estudou Letras e Enfermagem na Universidade Estadual do Maranhão, fez pós-graduação em Educação especial. Sônia Guajajara foi ganhando espaço e projeção no Brasil e junto a órgãos internacionais. Com 48 anos, está na vida pública há 25 anos, foi a primeira indígena eleita deputada federal pelo estado de São Paulo em 2022 e, agora, se tornou a primeira ministra de Povos Indígenas do Brasil.
O decreto que criou o Ministério prevê, entre outros objetivos, ‘reconhecer, garantir e promover os direitos dos povos indígenas, proteger os povos isolados e de recente contato; demarcar, defender e gerir territórios e terras indígenas; monitorar, fiscalizar e prevenir conflitos em terras indígenas e promover ações de retirada de invasores dessas terras’.
Para o Cacique da Aldeia Xandô, Marrudo, a criação do Ministério é uma oportunidade de mudanças positivas.
“Esperamos que os recursos realmente cheguem a nós e seja investido para as pessoas que realmente precisam, os índígenas que estão lá no fim, recebam esse recurso e possam viver com dignidade. Somos os primeiros habitantes do Brasil e eu vejo até quando vamos ser os últimos. Nós temos um sistema de governo, uma burocracia que não deixa a gente sair do lugar e isso interfere na nossa vida, a gente quer ser empresário, dono do nosso próprio negócio, a gente quer ajudar o Brasil a crescer, mas a lei (estatuto do indígena) é defasada e amarra a gente. A gente hoje estuda, não vivemos só de caça e pesca, já não tem peixe nem caça, é proibido caçar e pescar em certos lugares.”
Nos últimos anos, houve a constatação de vários grupos indígenas em péssimas condições de saúde e segurança. Por exemplo, na Terra Indígena Yanomami, dados do Mapbiomas indicam um aumento do garimpo de 3.350%, entre 2016 e 2020, o que levou a uma deterioração na prestação de serviços e casos de violência naquela região, inclusive contra crianças indígenas, abusadas sexualmente por garimpeiros, segundo as associações Yanomamis.
Em Roraima, o governo brasileiro decretou Emergência Sanitária. Na Terra Indígena Yanomami da região, só no ano passado, segundo o Ministério dos Povos Indígenas, 99 crianças de 1 a 4 anos morreram. Além da falta de profissionais e insumos em muitos polos de atendimento de saúde, ao menos quatro postos (Hakoma, Homoxi, Haxiu e Kayanau) fecharam em 2022, por causa de situações de violência relacionadas ao garimpo.
No Mato Grosso do Sul, o Grupo de Trabalho (GT) do Ministério Público do Trabalho (MPT) verificou a falta de atendimento de saúde a comunidades indígenas em Amambai. O MPT recebeu a denúncia, por exemplo, de que o órgão competente se recusou a atender determinado grupo na Terra Indígena Guapoy, sob o argumento de que o território não estava homologado.
“Nós fomos os primeiros povos indígenas a ter contato com os portugueses, falamos português e vivemos aqui muito antes dos portugueses chegarem aqui. Existem coisas no estatuto dos indígenas que ele limita muito o indígena. Então, têm coisas que hoje, eu acredito, nesse governo tem que mudar. Tudo é possível é só você querer. Se o presidente, ele, quer que os povos originários sejam os donos da terra, que eles possam fazer parcerias com outras pessoas, que ele possa alugar, possa arrendar, ele vai ser sempre o dono. Mas hoje no Brasil o índio é rico e ao mesmo tempo pobre, entendeu. Os Yanomamis estão em cima do ouro e passam necessidade. Desde de quando eu me entendo por gente, essa parte da saúde, é uma coisa muito difícil pra a gente. Nos temos várias aldeias aqui no território Barra Velha e nenhum posto de saúde de qualidade. Nossas mulheres, para fazer um pré-natal tem que ir pra Porto Seguro e é caro. Sair daqui é caro. É preciso um suporte melhor para nós.”, Explica Tije, liderança indígena
Esse contexto de graves e sistemáticas violações de direitos humanos dos povos tradicionais levou a situação que no direito chamamos de “Estado de Coisas Inconstitucional”, caracterizada pela desarmonia dos órgãos na busca de soluções efetivas para impedir o avanço da criminalidade em terras indígenas, como grilagem de terras, derrubada de florestas, garimpos e pesca ilegais, colocando em risco a vida de indígenas, trabalhadores dos órgãos de proteção e até mesmo ativistas, como Bruno Pereira e Dom Philips, assassinados no Vale do Javari, por defenderem indígenas.
Para a Procuradora do MPT Juliana Mafra, o Ministério dos Povos Originários é recebido com grande entusiasmo pelos indígenas e órgãos de defesa na medida que a ele é incumbido da política indigenista e o reconhecimento, demarcação e defesa das terras indígenas, dentre outras atribuições. A demarcação das Terras Indígenas, por exemplo, tem impacto relevante para a diminuição da violência no campo contra indígenas. Dados do CIMI, apontam que em 2020 foram 182 assassinatos contra os povos originários. Em Roraima, o estado mais violento, 66 assassinatos.

“O Ministério também traz a promessa de melhorias nas condições de vida dos trabalhadores da Funai. Em 2022, requerimento protocolado pela Central Única dos Trabalhadores em face à Fundação Nacional do Índio/Funai e ao Ministério da Justiça tinha como plano de fundo ao menos 25 reivindicações de melhorias de condições de trabalho. Dentre a denúncia, a CUT informou assédio e intimidação de lideranças indígenas e indigenistas e assédio institucional. Os servidores estão otimistas diante da troca de gestão da Funai, que fica agora vinculada ao Ministério. O desafio é grande para os novos gestores, tendo em vista que as demandas são infinitas e os recursos são restritos. No entanto, a esperança é que com a maior participação indígena nas tomadas de decisões as políticas públicas sejam mais efetivas.”, destaca a Procuradora.
O Àwúre, iniciativa do MPT, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), está hoje em nove estados brasileiros com 21 projetos, em 9 desses projetos atende povos indígenas de diferentes etnias, sempre buscando a manutenção das tradições e cultura desses povos, na busca de uma vida com mais qualidade e respeito para os povos originários.