Nome: Ilze Setubal
Baiana Soteropolitana
Certidão de nascimento – cor: parda
Cabelo alisado aos 4 anos
Cresci negando minhas raízes porque assim fui ensinada. Cabelo ruim, cabelo feio, cabelo desarrumado, cabelo de Bombril, Nega do cabelo duro! O preconceito começa em casa! É passado de geração para geração, não por maldade, muito mais por proteção, para que suas filhas sofressem menos. Afinal de contas o Brasil, país que possui a 2ª maior população negra do mundo, ainda traz consigo as marcas da politica eugenista, a pressão da beleza eurocêntrica e o mito de ser uma democracia racial com uma pseuda aceitação social.
E nesse contexto entre negros e brancos, ainda existem os pardos! E o que seria ser pardo? De acordo com Carneiro (2021), pardo são todas aquelas pessoas que não se consideram brancos, negros, amarelos ou indígenas, e esse tom de pele vive uma espécie de limbo étnico, mas que durante o Brasil Colônia, indicava algo mais que a cor da pele, o status social de não branco, porém livre, reforçando a estrutura racista que persiste até hoje.
No meu caso, nem tive escolha, nasci com o carimbo de parda, alisaram meu cabelo e pronto, cresci sem poder tomar banho de mar ou de piscina para o cabelo não encolher e ficar feio, fora os “bobs” e “neros” e tocas e tudo que tinha direito para me ajustar ao que era esteticamente aceito e longe de ser quem eu era, além de travar uma luta inglória com a própria natureza. Sofri os bullyngs na escola, fui bem lisa e loura na minha trajetória profissional, passei por todos os tipos de alisamentos capilares, inclusive ferro quente, mas depois dos cinquenta cansei! Já tinha cumprido uma sentença que nem tinha consciência, afinal eu não me percebia negra!
Resolvi parar de alisar o cabelo, ainda bem que estávamos em 2019 e era moda! Comecei o processo de transição capilar timidamente, insegura, quase como se estivesse me insurgindo contra o mundo e percebi que era assim que era vista! Assumir o “black” foi assumir a mim mesma! Foi a libertação, mas também foi o meu primeiro contato com o tal do racismo estrutural! Me olhavam diferente, já não tinham tanta atenção comigo em lojas de marca quando entrava e sempre me olhavam como se não pertencesse àquele lugar ou se teria condições de estar ali. Me senti desafiada!
O cabelo crespo emergiu para mim quase como arma política, de empoderamento, de disputa por lugares na sociedade, gritando para essa sociedade que não aceito mais imposição de padrões estéticos, eu me ressignifiquei e me orgulho disso. Hoje saí da condição de parda e sempre que se referem a mim o adjetivo “preta” vem na frente! Preta sim! E inteligente, e plena, e independente e linda!