“O mais puro dentro de mim é a minha música”.
(Grazzi Brasil)
Fevereiro, o mês do Carnaval – a maior festa popular do Brasil, em que há muita alegria, música, diversão. Aproveitando a forte influência da música, o Àwúre, iniciativa do Ministério Público do Trabalho (MPT), Organização Internacional do Trabalho (OIT) e UNICEF Brasil – Fundo das Nações Unidas para a Infância, abre espaço para artistas que fazem parte das populações e temáticas abordadas pelo Canal. Nesse espaço, artistas falam sobre o trabalho e a luta para se destacarem no cenário musical.
Em entrevista para o Àwúre, a cantora, sambista e intérprete de samba-enredo brasileiro, Grazzi Brasil, fala sobre sua história com a música, com o carnaval e sua espiritualidade.

A artista Grazzi Brasil é uma mulher que ama o que faz, que tem posicionamento, independência, respeito pelas pessoas, e que sabe se posicionar também quando o próximo não tem respeito com ela. Uma mulher que leva muito a sério o que faz, de uma personalidade bem leonina. Através do seu trabalho, visa transmitir seriedade, amor, tranquilidade, para as pessoas sentirem o que vem do fundo da sua alma. A música sem dúvida é seu espelho, pois como a mesma diz “existe uma missão, eu encaro como uma missão na minha vida, porque eu sempre soube que era isso na minha vida, pode até parecer clichê, mas eu sempre soube que era isso. A música é meu ar, é minha vida”.
“O que quero transmitir é um sentimento, quando as pessoas se sentem tocadas, seja por um choro ou um agradecimento, me deixa feliz demais, pois o que faço é do fundo da minha alma. Isso vem do mais profundo e sincero sentimento dentro de mim, isso é certo” — Grazzi Brasil
Grazzi Brasil e sua história com o Carnaval Brasileiro
Comecei no período do carnaval de 2014 para o carnaval de 2015, na verdade, reencontrei um amigo, Jorginho Soares, nos reencontramos depois de alguns anos gravando um coral para um CD. Ele perguntou se eu já tinha defendido algum samba-enredo, eu respondi que não, que nem sabia como funcionava. Foi então que ele me colocou para gravar o coral de disputas de samba-enredo. A primeira escola em que acabei indo foi para o palco da “Vai-vai”, onde foi o ano da Elis Regina, o samba foi campeão na quadra e foi para avenida e eu não era de carnaval, e assim começa…
Já em 2016, estávamos com o mesmo time, defendi o enredo para escola de samba Vai-vai, e novamente ganhamos, assim seguimos para avenida. Porém, foi em 2017 que tudo mudou. O samba da “Mãe Menininha do Gantois”, muda minha vida e toda essa trajetória que venho trilhando.
Assim, sendo o samba da minha vida, fui convidada para entrar na ala musical da Vai-vai — defendi o samba como apoio, e acabou que o samba ganhou na quadra e foi uma loucura. E no CD acabo dividindo o samba com o (intérprete de samba-enredo) Wander Pires, coisa que nunca havia acontecido na Vai-vai, então, neste ano, em 2017, fui para avenida pela primeira vez.
Já em 2018, virei intérprete da Vai-vai e recebi um convite para ir para escola Paraiso do Tuiuti, no Rio de Janeiro — onde ficamos em segundo lugar, sendo minha estreia no Rio, ao lado do (intérprete de samba-enredo), Celsinho Mody. Também em 2018, saio com intérprete Gilsinho, que canta na Portela, mas fomos juntos pela Vai-vai e aí começa essa loucura. Então fico na Vai-vai em 2017, 2018 e 2019, no Tuiuti 2018, 2019 e 2022 e em 2020 desfilo na escola São Clemente, só no Rio de Janeiro.
Àwúre: Qual o sonho que ainda não realizou como profissional e também qual já realizou?
Grazzi: Nós que somos da arte, da música, são várias coisas para realizar, porque é um lugar que é de oportunidades, então se você não aproveita, não acontece. O que realizei é muito difícil dizer. Cantar é uma realização, então o que vier é só bênçãos e alegria, entende? Eu estar no palco, claro, com respeito, sendo respeitada, sendo reconhecida, isso é maravilhoso. De repente poder levar minha música para fora do país em grandes festivais — essa parte eu ainda não realizei. Apesar de cantar ser uma realização sem tamanho, poder viver da minha música, isso é uma realização. Mas estar em grandes palcos fora, vivendo da minha música, bem “Brazuca”, bem Brasil é isso! O que eu já realizei, já disse aqui, é cantar, é viver da minha música, é gratificante, é surreal, eu sou abençoada e posso dizer.
Àwúre: Um momento inesquecível…
Grazzi: Tem alguns! A primeiro momento é a disputa de samba-enredo, samba de “Mãe Menininha de Gantois” é um momento que nunca irei esquecer. Quem viu, quem estava lá, viu como foi toda essa disputa — aquilo foi surreal. Eu estava em um momento onde minha vida de repente ganhou outro brilho, e quem conhece minha história viu que esse foi outro momento [uma virada de chave] da minha vida. O segundo momento é em 2018, sendo campeã da Tuiuti, onde canto voz e violão na Sapucaí, e todos param para me ouvir cantando aquele samba lindo. O outro é no carnaval, em São Paulo, no ano de 2019, onde foi muito difícil para mim, ali pude falar de onde venho e tudo que queria dizer, assinando o samba, vindo do acesso e sendo campeã. Já em 2022, no Anhembi, cantando samba de mulheres foi marcante. Esses são momentos surreais, onde sou muito, muito grata. Na verdade, sou muito grata ao carnaval, ele é um grande lance na minha vida.
“O mais puro dentro de mim é a minha música”.
Grazzi: Claro, cada música fala alguma coisa e as pessoas interpretam de uma forma. Espero que as pessoas consigam enxergar, acho que dá para ver a personalidade que tenho através do meu canto, é intenso, eu estou ali, e isso faz parte da minha característica. É algo que dá para perceber, sendo um momento que estou entregue, por inteira. Eu sou isso aí! (Que pergunta sensacional!) Claro que tem uma doçura na minha voz, porém, quando você para e observa, vê que existe um posicionamento e uma personalidade forte, meu coração está ali, é algo muito louco. O artista é uma montanha-russa, e acho que isso é perceptível.
Àwúre: Em suas canções você cita e saúda alguns orixás. Fale a importância de através da arte reverenciá-los, pois sabemos que a intolerância religiosa/ racismo religioso ainda ocorre constantemente no Brasil.
Grazzi: É sempre uma honra, um prazer falar da minha espiritualidade dos orixás. Sou uma mulher de Oxum Opará (se trata de uma divindade própria, muito guerreira), quem entende até enxerga. Infelizmente existe essa intolerância, mas sou uma cantora [pelo menos tento passar], mas sou isso, canto a minha verdade, para meu povo, a minha ancestralidade e será sempre assim.
Sempre foi difícil, e hoje o povo achou um meio de escancaradamente arrebentar com quem é preto, mulheres, gays ou de religiões de matriz africana, de algum jeito eles querem arrebentar conosco, como se fossemos anormais. Mas O RESPEITO TEM QUE CONTINUAR.
É necessário cantar o meu povo, cantar minha ancestralidade, essa é uma característica minha que não deixarei, pois é minha verdade, se não for com verdade não tem graça.Irei sempre agradecer a todos os orixás, pois sei o quanto eles estão na minha vida, o quanto eles me mostram tudo, e o quanto sou abençoada em ter eles ao meu lado, e minha música também é deles. O meu cantar é também dos orixás que carrego na minha cabeça, então sou muito grata e sempre cantarei meu povo, aquilo que é meu, a minha ancestralidade. E a gente sabe que não é fácil, porém é minha verdade. Se eu não faço minha verdade, eu deixo de existir.
Só gratidão a minha ancestralidade, ao meu povo preto, pois meus filhos são pretos, e eu acho que cada vez mais a gente tem que tentar ser uma pessoa melhor para o caminho não ficar tão difícil, apesar de ser quase impossível, a gente segue lutando. Infelizmente é cansativo, porém é preciso. Eu sendo uma mulher-preta, mãe solteira, periférica, sendo tudo isso e sendo artista. De onde vim isso era uma coisa anormal, por isso me orgulho de cantar e defender meu povo cantando. Vamos atrás do respeito, cada vez mais mostrando o quanto somos lindos, nossa beleza, a nossa música, pois tantas vertentes das músicas é preta, tudo vem do nosso povo. Precisamos ser respeitados, seja preto, mulher ou o que for.
Toda minha alegria, todo meu amor a ancestralidade, a minha música, aos meus filhos, e tudo que importa de fato a minha vida, e claro, a todo povo que me respeita, que curte minha música e que vê verdade em mim. É isso, se não for verdade deixo de existir!
O Àwúre, iniciativa do Ministério Público do Trabalho (MPT), da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), agradece e reverência quem leva na arte a cultura e tradições dos povos originários e das comunidades tradicionais.