Carlos André Cavalcanti
Entre os grandes rituais e ritos coletivos, a festa é um dos principais indutores do sentido eufêmico da vida. Pode parecer paradoxal, mas não se deve brincar com este sentido da festa. Dependendo da festa, podemos brincar nela, mas não contra ela, a menos que haja uma instrumentalização a ser contestada. Brincaram muito com o Natal. E foi uma brincadeira de mau gosto. Esta festa deita raiz profunda no rico imaginário cristão ocidental, mas virou sinônimo de consumismo…
CADÊ O ANIVERSARIANTE?
O nascimento do Rabi Jesus é a efetivação do sentido maior do cristianismo. Em uma rara cosmogonia voltada para a relação entre o tempo do homem e o tempo de Deus, o Deus cristão envia o seu Filho para viver como criatura humana na Terra. Jesus enfrenta as vicissitudes da condição humana na história. Conhece o medo de morrer. Deixa um legado extraordinário de superação do sofrimento histórico pela espiritualidade profunda.
NO BERÇO DO HOMEM
O próprio ato de nascer como filho do homo sapiens, já é psicanaliticamente um enfrentamento da dor e da angústia de existir neste mundo. O nascimento é uma festa para todos, menos para o bebê. A travessia precoce pela qual todos passamos em função das limitações da nossa corporeidade, nos inclina na direção de alguns arquétipos possíveis… O berço do homem é marcado por uma inquietude que ele leva por toda a vida. Jesus trouxe a Profecia exatamente para o acalanto eufêmico da vida do homem neste mundo imanente.
NA CRUZ DA HISTÓRIA
Entretanto, não é possível negar a cruz da história quando se é cristão. Aqueles que o fazem dentro do cristianismo, afastam-se fortemente da narrativa mítica evidente que significa o caminho de Jesus na direção de tornar-se O Cristo pelas mãos de sacerdotes fundamentalistas e de um império cuja ascensão foi brutal! A trave vertical da Cruz representa este caminho ascensional e diairético na direção de Deus, mistério profundo que reside em nossa Alma. A trave horizontal da Cruz nos remete ao tempo histórico e às possíveis fases da história. A Ciência Histórica busca tratar apenas da trave horizontal, mas nasceu como fruto da tensão entre as duas traves… Jesus demonstrou isso claramente ao tornar-se homem e viver como homem.
O SENTIDO DO NATAL
Assim sendo, o verdadeiro sentido do Natal está na narrativa mítica profunda de Jesus. O Natal representa o ponto de interseção entre as duas traves. É para lá que precisamos ir no nosso Caminho Interior. Foi de lá que viemos para este mundo. Na intercessão existe uma Rosa que nos aguarda. É para lá que devemos voltar. Quando o Natal é confundido apenas com um ato de consumo, este mitologema fica esquecido. Presentear e congregar com parentes e com amigos não são atos incompatíveis, mas não se pode esquecer que quando congregamos estamos nos conectando com a divindade. Feliz Natal!