Quando pensamos em infância, logo nos vem às lembranças, os risos, os carinhos e as brincadeiras. É através da brincadeira que a criança vivencia o mundo, é através da brincadeira que a criança aprende a desempenhar uma série de papéis, seja se conhecendo e também desvendando o universo.
Jogar bola, pular amarelinha, brincar de esconde-esconde, brincadeiras comuns, porém excluídas na infância de muitas crianças porque, infelizmente, não são todas as crianças que podem vivenciar essa parte boa da vida. Grande parte delas tem suas brincadeiras infantis removidas pelo trabalho árduo, desumano e ilegal. Realidade triste, onde o caminhar é interrompido, a liberdade é roubada e onde os sonhos são transformados em pesadelos.
O dia 12 de junho é lembrado como o Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma de lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.
E no artigo 60, ainda ressalta que “é proibido qualquer tipo de trabalho infantil a menores de 14 anos. E, para quem tem 14 anos ou mais, só é permitida a realização de atividades como aprendizes, desde que não prejudiquem o andamento escolar e seu desenvolvimento pleno”.
Segundo dados da última Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, havia no Brasil, 1,8 milhão de crianças e adolescentes com idade entre 5 e 17 anos em situação de trabalho infantil. Desse montante, 1,3 milhão (78%) têm idade entre 14 e 18 anos.
O mais recente relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), intitulado “O papel da proteção social na eliminação do trabalho infantil: Revisão de evidências e implicações políticas” apresenta evidências de vários estudos realizados desde 2010, que mostram como a proteção social – ao ajudar as famílias a lidar com choques econômicos ou de saúde – reduz o trabalho infantil e facilita a escolarização.
Porém, o progresso foi insuficiente para garantir que todas as crianças usufruam de proteção social, diz o estudo. No mundo todo, 73,6%, ou cerca de 1,5 bilhão de crianças de 0 a 14 anos, não recebem benefícios para famílias ou crianças em espécie. Essa grande lacuna de proteção deve ser fechada e de forma rápida, destaca o relatório.
A coordenadora do Programa de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho do Escritório da OIT para o Brasil, Maria Cláudia Mello Falcão, em um evento virtual realizado no início deste mês, comentou quais são as principais dificuldades de se combater o trabalho Infantil no Brasil e no mundo.

“A gente já teve agora a 5ª conferência Global sobre o trabalho infantil, realizada na África e uma grande conclusão que a gente teve lá: . sabemos exatamente o que deve ser feito para acabar com trabalho infantil. Os caminhos que nós temos que seguir, eles são muito claros. Eu acho que existem alguns fatores como: A persistência da pobreza. o trabalho infantil está diretamente ligado à pobreza. Outro fator também é a naturalização e aceitação do trabalho infantil. Isso pode ser um dos mais difíceis de serem combatidos, essa frase de que “o trabalho enobrece”. Eu sempre digo, ele enobrece desde que seja feito na idade correta, nas condições adequadas e com a sua devida remuneração, porque se não for assim o trabalho pode matar”.
Maria também frisa sobre como as políticas públicas vão afetar as crianças.
“Quando a gente pensa em política pública, mesmo aquelas que não estão diretamente ligadas à criança, tem que pensar e fazer um recorte, e pensar em como a criança vai ser afetada por aquela política, porque é um público muito específico que exige determinados cuidados”.
A coordenadora finaliza falando sobre a necessidade do fortalecimento das políticas públicas nos municípios, já que muitas vezes elas não chegam às populações mais vulneráveis.
“A gente tem uma série de políticas públicas, o Brasil é reconhecido por tudo que ele vem fazendo, mas a gente precisa fazer com que essas políticas públicas cheguem aos mais de cinco mil municípios, que elas estejam na ponta que é onde está o público-alvo e o beneficiário(a) desta política pública. Enquanto a gente não tiver essas políticas públicas implementadas no nível municipal, dificilmente a gente vai conseguir erradicar o trabalho infantil no Brasil”.
A Procuradora do Trabalho e Coordenadora Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância) do MPT, Ana Maria Villa Real fala que houve avanços significativos nos últimos 30 anos na luta contra o trabalho infantil, mas ainda há muito a ser feito.

“Entre 1992 e 2015, houve avanços muito significativos no país com a retirada de 5 milhões de crianças e adolescentes com idade entre 5 e 17 anos do trabalho infantil, o que significa uma redução de mais de 65%. Inúmeros fatores contribuíram para que isso fosse alcançado. Como o trabalho infantil é um fenômeno multicausal, não existe uma única solução para combater o problema.”
Villa Real alerta para um enfraquecimento da sociedade civil em um cenário bem difícil para a infância.
“Todavia, há alguns anos, retrocedemos em diversas frentes. Além disso, há no Congresso Nacional movimento no sentido de reduzir a idade mínima para o trabalho. Como se pode ver, o cenário para a infância é bastante desafiador”.
DESAFIOS
A procuradora fala ainda das dificuldades enfrentadas que precisam ser superadas para que a meta 8.7 da ONU seja alcançada e o trabalho infantil seja erradicado.
“O Brasil se distanciou muito desse compromisso global, consubstanciado na meta 8.7 da Agenda 2030. É urgente ultrapassar todos os retrocessos acima listados e recuperar o caminho do progresso, bem como fomentar o trabalho decente, fazer a transição do trabalho informal para o trabalho formal, investir em educação integral e de qualidade, fortalecer a política de aprendizagem profissional, que deve voltar a ser prioritariamente para adolescentes, investir na proteção social de famílias e crianças de acordo com as suas necessidades, para permitir que crianças e adolescentes permaneçam na escola, em atividades de contraturno e não sofram com insegurança alimentar.”
“É muito importante continuar o trabalho de conscientização da sociedade de um modo geral, mostrando-lhe que as infâncias negras, pobres e periféricas são as que mais sofrem violações de direitos”, Ana Maria chama a atenção. “ É dever de todos nós garantir a todas as crianças o direito a uma infância digna, plena e livre de trabalho infantil. Ao contrário do que apregoa o adágio popular, trabalhar mata, mata adulto, que dirá criança. Infância é direito, não pode ser privilégio”.
O Àwúre, iniciativa do Ministério Público do Trabalho (MPT), da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas pela Infância (UNICEF), ressalta a importância da conscientização e, principalmente, do ato da denúncia, muito importante para diminuição de casos de trabalho infantil. Aqui, no nosso site, na aba FALE CONOSCO , você encontra formas de denunciar o trabalho infantil.