Em todo mundo, mais de 15 milhões de pessoas, cerca de 1% da humanidade, trabalham com a coleta, triagem e reciclagem de resíduos gerados pelas cidades. Os catadores e catadoras realizam um trabalho essencial à vida e ao desenvolvimento sustentável do planeta. Contribuem para a logística reversa de materiais recicláveis, pois são responsáveis pela retirada de toneladas de resíduos das residências, comércios, vias públicas, margens de rios e outros locais inapropriados para o descarte.
Catadores e catadoras prestam um serviço ambiental, assegurando que o equilíbrio ecológico seja garantido, evitando danos ambientais, gerando o aproveitamento de resíduos sólidos e economia dos recursos naturais que servem de matéria-prima.
A coleta de materiais recicláveis é uma prática bastante comum entre as populações de baixa renda. A atividade, muitas vezes, é a única forma de a renda para as famílias.
Apesar dessas contribuições ambientais e sociais, catadoras e catadores de materiais recicláveis geralmente não são legalmente reconhecidos como trabalhadores(as) e sofrem com as condições precárias de trabalho e sem a adequada proteção social.
Diante esta realidade, estão inseridas crianças que convivem nestas famílias e que acabam ficando vulneráveis a este contexto e ao trabalho infantil. Lembrando que a Constituição Federal não permite que menores de 14 anos trabalhem. O artigo 7º da Constituição prevê ainda que entre 14 e 16 anos só é permitido o trabalho como jovem aprendiz e até 18 anos estão proibidos trabalhos noturnos, perigosos ou insalubres.
Mas evitar o trabalho infantil exige, muitas vezes, mais do que apenas vontade.
“Eu até gostava de catar as coisas na rua, mas a gente nunca tinha dinheiro.”, destaca JP de 9 anos, filho de Luzinete Pereira, catadora de recicláveis e hoje colaboradora de uma cooperativa no DF.
Estudos realizados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) revelam que existem crianças e adolescentes em lixões em aproximadamente 3.500 municípios brasileiros. Quase metade deles, 49%, estão na Região Nordeste, 18% na Região Sudeste e 14% na Região Norte. A região Centro-Oeste é a que tem menos crianças em lixões, com 7% do total, seguida da Região Sul, com 12%.
Luzinete, assim como seu filho, faziam parte dessa realidade, entretanto, graças ao esforço coletivo isso mudou.
“Eu trabalhava aqui na rua, dia e noite, sol e chuva e meu menino aqui comigo, na carroça, Ele achava que tava se divertindo, brincando, mas na verdade ele tava é trabalhando. Eu não gostava disso, mas não tinha jeito. Hoje, isso mudou. Por conta da cooperativa, eu consigo dar estudo pro meu filho, tirar ele da rua e ter uma renda bem mais gorda, né!”, revela Luzinete.
No Brasil, a Lei nº 12.305 de agosto de 2010 instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que reconhece a atuação de catadores e a catadoras de materiais recicláveis como agentes imprescindíveis para a gestão dos resíduos sólidos. Dentre outros pontos, a Lei, por meio da PNRS, prevê a determinação de “metas para a eliminação e recuperação de lixões, associadas à inclusão social e à emancipação econômica de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis”. Entretanto, a Lei não tem sido implementada pelos municípios brasileiros de forma satisfatória e a discriminação dirigida a esse grupo persiste.
Diante dessa realidade, as cooperativas surgem como uma alternativa benéfica para mudar a vida de crianças, mães, pais e famílias inteiras tudo isso fruto do esforço coletivo. Diana Sallenave Cambeses é assistente social e consultora de projetos sociais. Em Salvador (BA), Diana trabalha realizando projetos para as cooperativas de matérias recicláveis.

“As cooperativas organizam um trabalho que inicia com catadores avulsos individualmente…e se torna uma organização do trabalho coletivo. As cooperativas organizam todos em um propósito comum. As famílias são beneficiadas pela melhoria da qualidade de trabalho do pai ou mãe catador e tem consequências positivas ainda, como uma melhor valorização pela sociedade, já que o catado r(a) agora se torna um(a) cooperado (a)…. É uma valorização da família que passa a ser beneficiada pelo aumento da renda familiar. As cooperativas são fundamentais na organização e melhoria da qualidade de trabalho, segurança e no quesito quantidade do material reciclado. As cooperativas juntam vontades individuais em coletiva. Todos no propósito de melhorar a renda da família e melhor a qualidade de trabalho do catador. A preocupação com o meio ambiente se torna uma consequência dessa atividade. O processo como todo é um processo de beneficiamento”, destaca Diana.

Publicado pela editora Coopacesso, o livro “Quarentena da Resistência: na voz de 21 catadoras ” é parte de um projeto lançado conjuntamente pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Ministério Público do Trabalho (MPT) com o intuito de promover o trabalho decente para pessoas em situação de vulnerabilidade. Um desses grupos é composto por catadoras e catadores de materiais recicláveis, uma categoria historicamente com menos direitos garantidos, trabalho marcado pela precariedade e insegurança e baixa remuneração.
“Inspiradas em Carolina Maria de Jesus, as catadoras, trabalhadoras severamente atingidas pela pandemia, em sua maioria negras, encontraram um lugar de fortalecimento e luta pela palavra e compartilhamento das dores e afetos. O potencial trazido pela literatura, a partir de reflexões sobre trabalho, racismo, gênero e outras questões que atravessam a vida das catadoras, reflete na organização do grupo e na defesa de direitos.”, afirma Elisiane dos Santos, procuradora do Trabalho do MPT-SP e uma das idealizadoras do projeto.

“As catadoras de materiais recicláveis permanecem invisibilizadas na sociedade e seu trabalho desvalorizado e, por vezes, até marginalizado. O livro “Quarentena da Resistência” retrata os papéis das catadoras no contexto atual, perpassando pelo panorama trazido pela pandemia da covid-19, exibindo o lado mais humanizado dessas profissionais e os desafios que elas enfrentam ao longo de toda vida.” disse o oficial nacional de projeto da OIT, Diego Calixto.
O trabalho das cooperativas, associado a projetos sociais e projetos conjuntos de organizações que buscam o trabalho decente busca melhorar a qualidade de vida de uma categoria de extrema importância para toda a sociedade, como é o caso dos catadores de recicláveis, e impede que crianças e adolescentes sejam vítimas do trabalho infantil.
O Àwúre, projeto de iniciativa do MPT, da OIT e do UNICEF, atende hoje cerca de 10 mil famílias que, juntas, somam mais de 60 mil pessoas indígenas, negras, quilombolas, ribeirinhas, moradoras de comunidades periféricas e praticantes das religiões de matriz africana. Busca promover o diálogo, diversidade, pluralismo, o respeito às identidades, a tolerância, o princípio participativo e democrático, cooperação, promoção e valorização das condições de vida e trabalho.