“Hoje eu consigo entender que elas foram essenciais para meu acesso à Universidade. A visão crítica que tenho do mundo se construiu ali. Ter convivido com uma diversidade de indivíduos num único lugar, eu diria que foi mágico… Sendo aluna que estudou parte em escola pública, as diferenças educacionais “começam” ali.”

Assim define sua trajetória no vasto mundo do conhecimento, a ex-aluna cotista da Universidade de Brasília (UNB), Thayane da Luz Victor. Para ela, o sistema de cotas possibilitou vivenciar um universo que jamais seria possível sem as políticas de reparação.
No dia 29 de agosto de 2012 entrou em vigor a Lei de Cotas no Brasil. Das vagas ofertadas pelas universidades e instituições de ensino, 50% são direcionadas para estudantes que cursaram o ensino médio integralmente em escolas públicas. Desse total, 50% devem ser reservados aos estudantes vindos de famílias com renda igual ou inferior a um salário mínimo e meio por pessoa. Em relação a política de cotas raciais e de deficiência, a distribuição se dá de acordo com a proporção de indígenas, negros, pardos e pessoas com deficiência no estado onde está situada a instituição, pautada por dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre 2012 e 2019, o número de alunos pretos e pardos no ensino superior praticamente triplicou. O salto foi de 13% para 38%, como informa levantamento publicado pelo portal Quero Bolsa. O índice ainda está distante dos 57,3% da proporção de negros, pardos e indígenas na população brasileira, como aponta estudo do PNAD/IBGE 2019.
Após completados 10 anos da Lei de Cotas, a legislação prevê uma reavaliação da política ainda em 2022, no entanto, até o momento essa legislação não foi analisada pelo Congresso Nacional. A implementação das cotas étnico-raciais causou muita polêmica, principalmente pelo fato de que no Brasil era muito difícil saber quem era branco e quem era negro. Hoje, 64 das 69 universidades federais do país já possuem sua comissão de heteroidentificação, que tem como competência técnica identificar as características fenotípicas de etnia e raça. Mesmo não sendo prevista no texto da Lei de Cotas, a banca precisou ser incorporada à aplicação da legislação. Foram mais de quatro mil denúncias de fraudes entre 2013 e 2019, de acordo com dados da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros.
“As cotas me colocaram dentro de um sistema que vinha sendo elitista e racista há muito tempo. Acessar esse “pequeno” grupo faz de mim uma pessoa mais consciente a respeito das desigualdades sociais e raciais. Isso definitivamente muda – ainda que lentamente – o futuro de uma sociedade. Com toda certeza ela colaborou para que muitos negros tivessem acesso a Universidade. É uma ampliação de visões e vivências de mundo que permite a mudança de tudo aquilo que foi cristalizado como sendo a única possibilidade/verdade. Mas claro, ainda tem muito caminho e melhorias pela frente. Serão muitos anos de estudo, observação e ação para que essa reparação possa de fato trazer as transformações necessárias.”, revela Thayane, formada pela UNB em Administração.

De acordo com dados da pesquisa Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, levantamento publicado em 2019, pessoas negras ganham 42,5% menos do que brancas. O rendimento médio mensal de brancos é de R$ 2.796,00; e o de negros, R$ 1.608,00. O levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) também revelou que quase 70% dos cargos gerenciais são ocupados por brancos. As políticas de permanência também são fundamentais para a construção de um ambiente diverso, essencial para oferecer recursos para que os estudantes se mantenham na Universidade.
“Outro desafio foi o financeiro, principalmente no início do curso, onde o dinheiro para transporte e alimentação era, algumas vezes, contado (quando não emprestado). A defasagem educacional que eu tinha também era um obstáculo, principalmente no 1° semestre, mas ao longo dos semestres eu soube ajustar as matérias de acordo com o que fazia sentido pra mim”, conta Thayane.
Àwúre, uma iniciativa conjunta do Ministério Público do Trabalho (MPT), da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), tem como um dos propósitos promover o respeito pela identidade, diversidade e pluralismo de comunidades tradicionais e buscar ferramentas que promovam as mesmas oportunidades para todas, todes e todos.