A estimativa é que o Brasil tem hoje quase 900 mil indígenas de 305 etnias diferentes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Esse número já foi muito maior. Acredita-se que, em 1500, o Brasil era habitado por cerca de 5 milhões de indígenas.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, os direitos indígenas passaram a ter garantias na história moderna do Brasil. O respeito aos povos indígenas e a proteção de sua organização social, cultural, línguas, crenças e tradições passaram a ser assegurados por lei, mas apenas isso não basta. Atualmente, alguns projetos que buscam o respeito às tradições e culturas desses povos estão implantados no Brasil, entre eles o Àwúre, criado em 2019, poucos meses antes de começar a pandemia da COVID-19.
O projeto Àwúre, uma iniciativa do Ministério Público do Trabalho (MPT), Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Fundos das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), tem sido considerada uma boa prática exatamente por preservar a cultura, a tradição e buscar a consulta junto às populações tradicionais sobre suas prioridades. É o que explica Thaís Faria, oficial técnica em Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho da OIT.

“A primeira fase é sempre de consulta e escuta das populações, para saber das suas demandas e prioridades e a partir do diálogo com especialistas e técnicos em inclusão produtiva e uso da Terra são feitos uma programação e um trabalho, para que assim, os indígenas possam voltar a usar a terra de maneira absolutamente agroecológica sustentável. Assim, dessa terra, eles podem produzir alimentos tanto para a população, quanto para venda e consumo.”
A venda desses alimentos traz algumas coisas importantes, explica a oficial. “Primeiro que entra recurso para o próprio grupo ou comunidade, para que possam usar dentro de suas prioridades, seja para o estudo de alguém fora, seja para compra de alguma equipamento ou da forma como bem compreenderem. Tudo isso melhora a condição de vida, saúde e aproximação da população que está no entorno, que vai poder consumir aquele alimento livre de agrotóxicos, produzido de uma maneira sustentável e nisso haverá uma troca de cultura com a comunidade que está produzindo, isso aproxima as pessoas, quebra os estereótipos e paradigmas, assim formamos, junto com eles, uma inclusão produtiva”.
Atualmente, o Àwúre atende, em 6 estados brasileiros, 60.224 pessoas, entre povos indígenas, negros, quilombolas, ribeirinhos, moradores de comunidades periféricas e praticantes das religiões de matriz africana. Desses, 5.663 são indígenas dos estados do Pará, Tocantins, Acre, Amapá e Rondônia. Além da inclusão produtiva o Àwúre também trabalha com a sensibilização do conhecimento, para que de maneira geral se compreenda que a diversidade cultural histórica é rica para o crescimento da sociedade e que é necessário ouvir todos os grupos.
Um assunto atual, importante e muito discutido pelos indígenas hoje é a questão da terra. Os conflitos são históricos, alguns sendo marcados de maneira violenta. Com a demarcação de terras indígenas estão correndo o risco da redução de seus territórios e uma interpretação jurídica não prevista na constituição, o chamado “marco temporal”, tem gerado preocupação para muitas das comunidades tradicionais e para quem acompanha as lutas indígenas.
O procurador do Trabalho do MPT do Mato Grosso do Sul, Jonas Ratier Moreno, que atende e acompanha várias ações relacionadas aos indígenas, acredita que a legislação que está em discussão hoje no Congresso Nacional representa um retrocesso, inclusive em relação as conquistas da Constituição de 1988.

“A questão do Marco temporal ainda não é pacífica no Supremo Tribunal Federal (STF) e eles estão tentando passar uma lei para fixar esse Marco temporal, mas não protegendo as lutas dos povos indígenas que já vieram muito antes de 88. Isso quer dizer, que esqueceremos essas lutas pelos seus territórios que foram tomados. Se essa lei que está tramitando no Congresso Nacional for aprovada haverá um grande prejuízo para os povos originários, e mais, a exploração de riquezas nos seus territórios, onde está havendo invasões na área amazônica de garimpeiros madeireiros, tudo isso é um sinal muito claro que pode haver um retrocesso nas conquistas constitucionais de 88 e retroceder para encobrir e mitigar ou quem sabe, revogar as lutas”.
Para Anapuaka Muniz Tupinambá, fundador da primeira rádio indígena do país e que usa o ativismo online para dar visibilidade aos indígenas, a cada momento e sempre a luta indígena é árdua, sempre foi e nunca deixou de ser.

“Se nós temos a presença do holocausto indígena acontecendo, é porque desde a invasão pela colonização europeia, manteve-se. Então não é atualidade, não é o passado, sempre foi, sempre está sendo. Se você pensar que no Congresso tem mais de mil Projetos de Lei (PL) e Propostas de Emendas Constitucionais (PECs), ativas e inativas esperando para ser ativada, que ataca diretamente os povos indígenas, o seu território, a sua origem. A vida dos indígenas vai continuar sendo com ações onde empresários, políticos, partidos e instituições vão sempre agir contra a vida dos povos indígenas. Então, acredito que árduo é, árduo foi e árduo será enquanto a gente não resolver essa questão da demarcação das terras indígenas do Brasil, enquanto não derem as garantias pelas demarcações de todos os espaços e de alguma forma de terem respeito pelos povos indígenas brasileiros. Não vamos ajoelhar para nenhum sistema a colonização, vamos garantir esperança, respeito, equilíbrio e vida ao planeta, todos nós, povos indígenas do mundo”.