“É muito triste, é vergonhoso a gente dizer que no Brasil existe trabalho escravo…Existe! A gente tá fazendo aquele trabalho, a gente já tá vendo que tá sendo escravizado. Só faz aquele trabalho, continua naquele trabalho, é como eu digo, é porque a precisão obriga”.
Essas são as palavras de Sebastião G. Furtado, trabalhador resgatado em condições análogas à escravidão, durante seu depoimento para o Documentário Precisão, lançado em 2019 pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pela Organização Internacional do Trabalho(OIT). São relatos atuais de trabalhadores que foram vítimas do abuso e da crueldade do trabalho escravo no Brasil de hoje.

Em 28 de janeiro de 2004, 4 funcionários do então Ministério do Trabalho e Emprego foram mortos durante uma fiscalização de combate ao trabalho escravo em fazendas na região de Unaí, em Minas Gerais. Em 2009, a data passou a ser considerada o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo no Brasil. Através do trabalho de pessoas como as vítimas da Chacina de Unaí, como ficou conhecida, que é possível resgatar e trazer os dados dessa grave violação de direitos humanos e trabalhista no Brasil.
De acordo com dados da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), no ano passado (2021), ações de fiscalização resgataram 1.937 pessoas em situação de trabalho análogo ao escravo no Brasil, mais do que o dobro de 2020, que foi de 936 pessoas resgatadas.
Já o Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, desenvolvido pelo MPT e pela OIT, reúne dados das ações de órgãos públicos entre 1995 e 2020. Nesse período, 55.712 pessoas foram encontradas em condição semelhantes à de escravidão, sendo 80% das vítimas trabalhadores no setor agropecuário.
A procuradora do MPT Lys Sobral Cardoso faz questão de reafirmar que o trabalho escravo é uma grave violação aos direitos humanos e o pior que existe no mundo do trabalho.

“No Brasil, o conceito de trabalho escravo está contido no código penal, no artigo 149, e ele prevê quatro modalidades que caracterizam a escravidão contemporânea. A servidão por dívida, o trabalho forçado, as condições degradantes de trabalho e a jornada exaustiva. Basta que exista apenas uma dessas modalidades para que haja a caracterização do trabalho análogo ao escravo”, explica a coordenadora do Conaete, coordenadoria nacional criada pelo MPT para organizar os esforços de atuação contra o trabalho escravo no Brasil.
O perfil das pessoas que acabam sendo vítimas da escravidão contemporânea, em sua grande maioria, são de pessoas em estado de vulnerabilidade socioeconômica. Pessoas com histórico de trabalho infantil, baixa escolaridade e principalmente originários de comunidades com situação acentuada de vulnerabilidade. Além disso, existe também a questão dos imigrantes originários de outros países, na maioria mulheres que buscam melhores condições de trabalho e vida no Brasil e acabam se deparando com o trabalho escravo que se agrava pela ilegalidade, falta de documentos e xenofobia.
“O desafio do gênero é um dos que está na pauta dos órgãos de fiscalização do MPT para os próximos anos. Porque a quantidade de mulheres resgatadas é muito baixa ainda, existe uma proporção de mais ou menos 90% de homens para 10% de mulheres. O que quer dizer, não que as mulheres não estejam no mundo do trabalho e não estejam sendo exploradas, mas sim que a fiscalização em todos os órgãos que tem atribuição para erradicar o trabalho escravo no Brasil precisam estar atentos para formas de trabalho das mulheres que estão sendo inviabilizadas, como por exemplo, o trabalho escravo doméstico e a escravidão sexual”, destaca a Procuradora.
A OIT estima que em todo mundo mais de 25 milhões de pessoas vivenciam o trabalho escravo sem distinção de gênero, cor, raça ou idade. O Projeto Àwúre, uma iniciativa do Ministério Público do Trabalho/GT “Povos Originários e Comunidades Tradicionais “, da Organização Internacional do Trabalho e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), busca através das suas ações diminuir o impacto e achar caminhos para erradicar o trabalho escravo e todas as formas de exploração, desrespeito ou preconceito presentes em nosso país.