A redação do Enem sempre gera muita ansiedade e esse ano não foi diferente. O tema de 2022 propôs a discussão sobre “Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil”. Mas, já de início, não podemos confundir povos tradicionais com povos originários. Indígenas são povos originários, já os quilombolas, extrativistas, ribeirinhos, caiçaras, ciganos, comunidades de terreiro são classificados como povos e comunidades tradicionais (PCTs).
Assegurar a pluralidade do Estado brasileiro na perspectiva étnica e cultural, como determina a Constituição Brasileira, é um grande desafio. As políticas públicas voltadas para os Povos e Comunidades Tradicionais tiveram como marco a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada em 1989 e trata dos direitos dos povos indígenas e tribais no mundo.
Conforme o decreto 6040, os povos e comunidades tradicionais são definidos como grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos por tradição.
O professor, Vinicius Alves, quilombola, doutorando no Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) faç)a da importância do tema da redação do Enem 2022.

“É importante o tema da redação proposta desse ano de 2022 no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) com esse ‘Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil’. Os desafios são históricos, nós vivemos em uma sociedade colonial, escravocrata que os especialistas vão falar de uma permanência da colonização no nosso país, e a permanência da colonização do nosso país se chama colonialidade. A colonialidade do saber, do poder e do ser, onde esses povos tradicionais, essas matrizes étnicas, indígenas e africanas foram historicamente excluídas de uma educação de qualidade, relegadas a uma forma marginal de existência. São comunidades que enfrentam seus desafios de ter uma saúde de qualidade, de ter condições de infraestrutura, condições básicas de subsistência. Então, é muito importante que esses jovens que estão fazendo para acessar a educação de nível superior no Brasil tenham conhecimentos sobre esses desafios com vistas a valorizar os povos tradicionais que constituem o Brasil. O Brasil é formado pelas três matrizes étnica, que sãos: indígena, negra africana e branca europeia e negar isso, é negar a nossa própria história. Então, esses jovens que estão tendo acesso à universidade irão conhecer esses desafios e saberão respeitar as comunidades tradicionais e conviver harmonicamente em sociedade, e isso é tudo que nós precisamos, o respeito às diferenças, e isso não é nada mais, nada menos do que já está previsto na lei de diretrizes e bases (LDB), isso é o que está pactuado na convenção 169 que o Brasil é signatário, de consultar as comunidades tradicionais, de se preocupar com os povos tribais e o Brasil precisa respeitar esse tratado internacional, além também do que está na lei 10.639 e a lei 11.645 com vistas a valorização e o respeito dessas comunidades tradicionais”.
Vinicius também diz o que o tema reforça. “O tema reforça a importância da diversidade da pluralidade étnica e cultural no Brasil e uma vez que os estudantes precisam ter conhecimento da história, da cultura, da memória, da conservação e manutenção desse território tradicionalmente ocupado, espera-se que esse país seja um país mais respeitoso, que as pessoas precisam aprender a conviver e aprender que isso seja de maneira respeitosa. É que a sociedade que estamos vivendo está com cada vez mais preconceito e discriminação, homofobia, misoginia, racismo e esses problemas estruturais presentes nas raízes da sociedade brasileira em nada contribuem para que não haja privilégios no Brasil, para que haja mais igualdade e equidade em nosso território”.
O estudante, Rian Santos, que é quilombola, disse não ter ficado surpreso com o tema.

“O tema para mim não foi uma surpresa, porém não era esperado, eu já tinha em mente que poderia cair algo relacionado a problemas sociais. Foi um tema mais que necessário. Foi de uma grandiosidade sem tamanho. Ver que milhões de estudantes no Brasil inteiro tiveram que dissertar sobre a valorização dos povos e comunidades tradicionais foi incrível, ver que todos por meio de suas redações,s puderam traçar, imaginar caminhos para exaltação dessa população, e mostra que existimos e estamos aqui no agora, no presente, não só na história e que precisamos ser ouvidos, atendidos e valorizados.
Para Rian o tema foi um “grito”, uma narrativa de si.
“Como quilombola, o tema do Enem 2022, foi um grito, quase que ser tornou uma narrativa. Eu, parte desses povos e comunidades, tive um momento de reafirmar a nossa existência, resistência e foi muito tranquilo e espero que a partir daí todos possam trabalhar para enxergar e fazer com que as políticas públicas cheguem a nós. Gritei e espero ser ouvido”.
Já Eduardo Giordani, indígena Wassú Cocal, ressalta que esse foi um tema necessário.

Esse foi um tema necessário, pois o Brasil tem uma dívida com as comunidades tradicionais, assim como com os povos originários, que eu também faço parte. A temática foi precisa, pois muitos estudantes falaram o que acham em relação às comunidades e povos tradicionais. Eu ouvi de muitos estudantes citando a parlamentar Sônia Guajajara, então ela é uma representatividade muito grande, e a gente vê o quanto tem pessoas engajadas, muitos jovens que defendem essa causa dos povos indígenas e das comunidades tradicionais. Avalio o tema como algo que o Brasil estava precisando e que é necessário refletir sobre isso e espero que através das dificuldades haja mais engajamento da sociedade para apoiar essas causas e lutas.”
O Àwúre, iniciativa do Ministério Público do Trabalho (MPT), Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) ressalta que é preciso que cada vez mais haja conversas, debates e políticas públicas que atendam às necessidades das comunidades tradicionais e povos originários, tendo a consciência da diversidade que constitui o país, sabendo respeitar as diferenças e sabendo conviver em sociedades plurais.