Intolerância religiosa é não reconhecer (e não respeitar) práticas e crenças de outra pessoa. É violar seus direitos e menosprezar, demonizar. O Ataque às religiões de matriz africana é apenas uma das abas do racismo em nosso país. De acordo com dados divulgados pelo Governo Federal, uma denúncia de intolerância religiosa é registrada no país a cada 15 horas. 39% das vítimas são de religiões de matriz afro-brasileira.
Para Anderson, praticante de religião de matriz afro-brasileira, o pior da intolerância não é a violência, mas o legado que ela deixa. “É muito difícil conviver com isso, na verdade nem é uma escolha, é um direito meu, entende? Tipo, o melhor de mim veio com minha religião, como posso negar isso? Não dá né! Mas todo dia é essa luta.” Desabafa Anderson ao sair de casa, que esconde dos pais que frequenta uma casa de Umbanda.
“Eu nem sei o que ia acontecer se eles (meus pais) soubessem. Eles são bem religiosos dentro da crença deles, por assim dizer. Esse dia vai chegar, mas é muito complicado. São de outra geração, entender e aceitar, ainda mais sendo filho…é complicado.”
De acordo com o artigo 5º da Constituição Federal, toda pessoa pode manifestar crenças e cultos livremente, assim como ninguém tem a obrigatoriedade de exercê-los. No Brasil, a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, alterada pela Lei nº 9.459, de 15 de maio de 1997, considera crime a prática de discriminação ou preconceito contra religiões.
Durante o Seminário “Direitos Humanos Fundamentais dos Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiros de Religiões de Matriz Africana, que aconteceu através da plataforma EAD Àwúre Educa, foi lançada a campanha “Violência não combina com fé”, um chamado à reflexão sobre as violências – físicas e morais- praticadas contra algumas religiões, principalmente a dos povos originários e comunidades tradicionais, entre eles, as comunidades de religiões de matriz africana. A campanha busca prevenir e combater o racismo religioso e afirmar o direito à liberdade religiosa.

De acordo com Edelamare Melo, subprocuradora-geral do Trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT), a intolerância e o racismo religioso têm crescido de forma considerável no Brasil, o que exige vários tipos de respostas, sejam preventivas, sejam repressivas.
“Esta realidade de violação de direitos humanos fundamentais tem exposto a vida de pessoas a perigo, e violado o direito dos religiosos de matriz africana e afro-ameríndias – principais alvos desta escalada nunca antes vista- ao respeito ao sentimento religioso, e de professar a sua fé em situação de liberdade. Neste contexto, o Ministério Público do Trabalho, por meio do Grupo de Trabalho “Povos Originários e Comunidades Tradicionais”, e o Projeto Àwúre, uma iniciativa do Ministério Público do Trabalho, da OIT e do UNICEF lançaram a campanha “Violência não combina com fé”, como uma forma de recordar aos detratores das religiões de matriz africana e afro-ameríndias que estes atos de violência constituem crime e violam direitos humanos fundamentais garantidos em acordos, tratados e convenções internacionais, na Constituição Federal e na legislação penal. Trata-se de uma estratégia preventiva de enfrentamento ao racismo e intolerância religiosa motivados pelo ódio religioso, este motivado pelo afã de impor um pensamento único, e uma única forma de relação com o sagrado, o que vai de encontro à natureza pluralista e democrática, que constituem a base do estado brasileiro”, destaca a subprocuradora.
Apesar de adotar um pensamento pluralista e tolerante nos campos da religião e da democracia, no Brasil, os crimes contra a liberdade religiosa têm aumentado, principalmente na pandemia. Os adeptos das religiões de matriz africana são as maiores vítimas no país.