De acordo com dados divulgados pelo relatório Em Perigo, uma iniciativa da Unaids sobre a resposta global ao HIV, durante os anos de 2020 e 2021 os esforços para o combate ao vírus diminuíram consideravelmente. A pandemia de Covid e os conflitos globais atenuaram os aportes financeiros e os recursos caíram drasticamente, com isso, milhares de pessoas estão em risco. O impacto é tão grande que, nos últimos dois anos, uma pessoa morreu a cada minuto no mundo, um total de 650 mil mortes causadas pela Aids.
Segundo Cláudia Velásquez, Diretora e Representante do UNAIDS no Brasil, a estratégia global para AIDS 2021-2026 revelou a necessidade urgente de se fazer frente às desigualdades. Para ela, é preciso dar uma resposta corajosa e ousada às múltiplas desigualdades que, conjugadas com o estigma e a discriminação, dificultam ou impedem que as pessoas em situação de vulnerabilidade tenham acesso às ferramentas de prevenção, diagnóstico e tratamento do HIV.

“A crise econômica resultante dos choques que vêm afetando a humanidade nos últimos dois anos impacta mais fortemente as pessoas vivendo em situação de pobreza extrema ou miséria. Muitas vezes elas se veem forçadas a tomar decisões difíceis, entre se alimentar ou cuidar da saúde, por exemplo. O resultado é que veem diminuída drasticamente sua capacidade de buscar o diagnóstico ou dar continuidade ao tratamento do HIV. As populações-chave para o HIV (profissionais do sexo, pessoas trans, pessoas que usam drogas, homens gays e outros homens que fazem sexo com homens) têm, ainda, de lidar com o estigma e discriminação, os quais amplificam sua situação de vulnerabilidade.”, Explica Cláudia.

O Boletim Epidemiológico de 2021 do Ministério da Saúde sobre HIV e AIDS revela que as pessoas negras são as mais afetadas pela pandemia de HIV. Entre 2010 e 2020 houve uma queda de 9,8% na proporção de casos entre pessoas brancas. Ainda sim, no mesmo período, a proporção de casos de AIDS entre pessoas negras foi maior, com um aumento de 12,9%. Quando considerados os óbitos, a mesma desproporção existe. Em uma década, houve uma queda de 10,6% na proporção de mortes de pessoas brancas e o crescimento de 10,4% na proporção de óbitos de pessoas negras. Isto é apenas um dos reflexos de como as desigualdades, a discriminação e o estigma são fatores cruciais para entendermos como, apesar de todos os avanços na prevenção e tratamento, milhares de pessoas, especialmente de populações em situação de vulnerabilidade, se infectem pelo HIV ou morram em decorrência da AIDS todos os anos.
“É inadmissível que em um mundo onde os avanços biomédicos garantem instrumentos de prevenção que podem impedir a disseminação do HIV e em que pessoas em tratamento podem ter sua carga viral indetectável, e, portanto, intransmissível, fazendo com que tenham uma vida normal e saudável, novas infecções por HIV sigam acontecendo em um ritmo alarmante e milhares de pessoas morram todos os anos em decorrência da AIDS. Não podemos ficar neutros com relação ao impacto das desigualdades na resposta ao HIV, porque isso custa vidas que não precisam ser perdidas mais para essa pandemia. É preciso agir agora se queremos acabar com a AIDS como ameaça à saúde pública até 2030.”, Destaca.

O Brasil possui um sistema público de saúde, o SUS, reconhecido pela sua abrangência. O oferecimento público e gratuito de ferramentas de prevenção, diagnóstico e tratamento do HIV como política de Estado é, sem dúvida, um diferencial importante do país. As políticas públicas de resposta ao HIV devem ser cada vez mais baseadas em mecanismos diferenciados de prestação de serviços, garantindo a participação ativa da comunidade a fim de reduzir as barreiras de acesso e enfrentar as desigualdades, o estigma e a discriminação.
“É importante reconhecer que o SUS enfrenta ainda grandes desafios de acessibilidade aos serviços públicos de saúde que precisam ser solucionados. O fato de serviços serem oferecidos não quer dizer que as pessoas, especialmente as mais vulneráveis, consigam realmente acessá-los, devido às desigualdades, ao estigma e à discriminação. Neste sentido, é preciso que seja garantida a existência e disponibilidade de recursos financeiros que viabilizem o desenvolvimento e implementação de políticas públicas que contemplem serviços de prevenção ao HIV liderados pelas comunidades. O Programa de HIV e AIDS faz parte de uma política de Estado no Brasil e isso garantiu que seguisse atuante nos últimos dois anos em que a crise de saúde pública causada pela pandemia de COVID-19 centralizou a atenção e muitos recursos. Entretanto, isto não quer dizer que podemos relaxar e acreditar que está tudo bem.”.
Dados do último Relatório Global de AIDS, lançado pelo UNAIDS no fim de julho, indicam que os casos de novas infecções por HIV têm se mantido no Brasil, sendo aproximadamente 48 mil novos casos na população entre 2016 e 2018, 49 mil casos em 2020 e 50 mil novos casos, em 2021. Esta constância no número de novas infecções pelo HIV se repete na América Latina, como um todo. No Brasil, diferente do contexto global, a epidemia de AIDS é mais concentrada em determinados grupos sociais, as populações-chave, especialmente homens que fazem sexo com outros homens e travestis e mulheres trans. Entretanto, quando olhamos mais detidamente a epidemia de HIV em determinadas sub-regiões, considerando estados e municípios, especialmente na região Sul do Brasil, encontramos uma epidemia mais generalizada, embora o recorte da desigualdade e da vulnerabilidade seja uma marca comum.
É fundamental que a resposta ao HIV tome em conta as especificidades e os desafios das diferentes localidades e suas populações e envolva de forma consistente a sociedade civil e as comunidades no desenho e implantação das estratégias para o HIV e AIDS.




