Foto: Nelson Jr./SCO/STF
Seis ministros já apresentaram no Supremo Tribunal Federal (STF) seus votos no julgamento sobre a validade da aplicação da tese do marco temporal na demarcação de terras indígenas. A Corte volta a analisar o caso na próxima quarta-feira (6). Ainda faltam os votos de cinco ministros
Será a décima sessão sobre o tema, que começou a ser deliberado em agosto de 2021.
A tese do marco temporal estabelece que só pode haver demarcação de terra para comunidades indígenas que ocupavam a área no dia da promulgação da Constituição Federal: 5 de outubro de 1988.
É uma interpretação do artigo 231 da Constituição, que diz: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
Até o momento, há quatro votos contra a aplicação do critério na definição das áreas ocupadas pelos povos originários. Seguiram nesta linha os ministros:
- o relator, ministro Edson Fachin
- Alexandre de Moraes
- Cristiano Zanin
- Luís Roberto Barroso
Há dois votos no sentido de validar o uso do marco temporal como um requisito objetivo para a concessão das áreas ao uso indígena:
- o do ministro Nunes Marques
- o do ministro André Mendonça
Cinco ministros ainda vão apresentar suas posições: Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Rosa Weber.
Há, até o momento, quatro propostas de tese – sugestões que sintetizam os entendimentos da Corte sobre um tema. Estas propostas serão analisadas pelo plenário até a conclusão do julgamento.
Três sugestões têm como ponto central o entendimento de que a fixação de um marco temporal para a demarcação das terras indígenas viola a Constituição. Uma usa a tese como base para orientar a definição das áreas.
Apresentaram propostas o relator, ministro Edson Fachin; e os ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e André Mendonça
Votos dos ministros
Veja abaixo como votaram os ministros:
- Fachin
Primeiro a votar, o relator Edson Fachin defendeu que a posse indígena não se iguala à posse civil e não deve ser investigada sob essa perspectiva, e sim, com base na Constituição – que garante a eles o direito originário às terras.
“Autorizar, à revelia da Constituição, a perda da posse das terras tradicionais por comunidade indígena, significa o progressivo etnocídio de sua cultura, pela dispersão dos índios integrantes daquele grupo, além de lançar essas pessoas em situação de miserabilidade e aculturação, negando-lhes o direito à identidade e à diferença em relação ao modo de vida da sociedade envolvente”, afirmou o relator.
Segundo o ministro, “não se desconsidera a complexidade da situação fundiária brasileira, menos ainda se desconhece a ampla gama de dificuldades dos produtores rurais de boa-fé”.
“No entanto, segurança jurídica não pode significar descumprir as normas constitucionais, em especial aquelas que asseguram direitos fundamentais”. “Não há segurança jurídica maior que cumprir a Constituição
- Nunes Marques
Nunes Marques apresentou seu voto em setembro de 2021, logo após o relator Edson Fachin. Abriu divergência, com entendimento favorável à tese. Argumentou que o Supremo já vem reconhecendo o marco temporal – por exemplo, na decisão tomada ao julgar o caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (naquela ocasião, a decisão só valeu para aquele caso).
“Esse entendimento pondera valores constitucionais relevantes — de um lado, a proteção, o incentivo à cultura indígena; de outro, a segurança jurídica do desenvolvimento regional, o direito à propriedade privada e o direito ao sustento de outros integrantes da sociedade brasileira”, afirmou.
- Alexandre de Moraes
O ministro Alexandre de Moraes apresentou o voto na retomada do julgamento neste ano, em junho. Desempatou no placar, ao acompanhar o entendimento de Fachin contra o marco temporal. Ele afirmou que a adoção da tese pode significar deixar em segundo plano direitos fundamentais. “Afasto a ideia do marco temporal”, declarou no voto.
“Não podemos fechar os olhos a outras situações que eu trouxe aqui da comunidade dos indígenas Xokleng. Da mesma forma que não podemos fechar os olhos pros agricultores que têm suas terras, trabalham nas suas terras”, disse.
Para o ministro, quando há a ocupação indígena na terra ou disputa por ela, a posse deve ser destinada aos indígenas, sendo que os não-indígenas devem ser indenizados por benfeitorias (melhorias) feitas de boa-fé, como prevê a Constituição.
O ministro também sugeriu a possibilidade de compensação dos indígenas com outras terras, caso seja impossível conceder exatamente aquela requerida – por exemplo, quando já há uma cidade no local – e que o Poder público seja responsabilizado pela ocupação irregular das áreas.
“A indenização deve ser completa para aquele de boa-fé. Não tinha como saber 130, 160 anos depois. A culpa, a omissão foram do Poder Público, que precisa arcar para garantir a paz social”, declarou.
“É uma questão que juridicamente é complexa, vem gerando insegurança jurídica e a paz social por séculos sem que haja até hoje um bom modelo em efetivo modelo a ser seguido”, afirmou. “Nenhum país do mundo conseguiu resolver de forma plena e satisfatória essa questão.”
- André Mendonça
Mendonça apresentou o quarto voto no caso, quando o julgamento foi reiniciado, no último dia 30 de agosto. Concluiu que é válido o uso do marco temporal como um critério para a definição de áreas destinadas aos povos originários.
O ministro propôs os seguintes critérios:
- O marco temporal em si
O uso do marco temporal – 5 de outubro de 1988 – para avaliação sobre se há direitos originários indígenas sobre as terras reivindicadas;
- Em caso de conflito no dia 5 de outubro de 1988
Os direitos indígenas sobre as áreas serão assegurados em caso de conflito pela posse da terra de forma persistente na data da promulgação da Constituição. Este conflito pode ser físico ou judicial;
- Soluções alternativas
Se não for verificado o marco temporal, ou se não houver disputa à época da promulgação da Constituição, será possível usar outros instrumentos jurídicos para resolver a questão. Entre eles, a criação de reserva indígena, por procedimento de desapropriação, desde que haja consentimento de comunidades dos povos originários envolvidos.
- Cristiano Zanin
O ministro Cristiano Zanin desempatou o julgamento, ao conceder o terceiro voto contra a validade do marco temporal na demarcação de terras indígenas.
Para o ministro, o “direito congênito” dos indígenas à posse da terra que ocupam tradicionalmente foi garantido em regras no Império e nas Constituições do período republicano, desde 1934.
Além disso, a teoria do indigenato (que assegura o direito aos povos originários) é também prevista em convenções internacionais.
Para Zanin, a demarcação é um ato declaratório, ou seja, que constata um direito que já existe. Mesmo que a terra ainda não esteja demarcada, o reconhecimento posterior não diminui a força deste direito.
O ministro citou que a Constituição previa prazo de 5 anos para a União realizar as demarcações, que não foi cumprido. Diante disso, afirmou que a União deve conferir prioridade às demarcações.
Para Zanin, além das indenizações de boa-fé para os que ocupavam as regiões de povos indígenas, é cabível também responsabilizar o Poder Público por ter concedido a terra indevidamente aos ocupantes atuais. Mas essa responsabilidade – que pode alcançar União, estados e município – deve ser verificada caso a caso. Se for configurada, pode gerar uma indenização além da que prevista pelas benfeitorias de boa-fé.
- Luís Roberto Barroso
O ministro Luís Roberto Barroso apresentou o quarto voto contra o uso do marco temporal como critério para a demarcação.
Barroso lembrou o julgamento do caso de Raposa Serra do Sol. Assim como Cristiano Zanin, observou que, naquela ocasião, os indígenas não estavam ocupando a área reivindicada, o que mostra que há outras formas de verificar a ocupação tradicional.
“Eu extraio da decisão de Raposa Serra do Sol a visão de que não existe um marco temporal fixo e inexorável e que a ocupação tradicional também pode ser demonstrada pela persistência na reivindicação de permanência na área, por mecanismos diversos”.
O ministro considerou que, na demarcação, é preciso prestigiar a posição técnica do laudo antropológico. Citou também o fato de que a União não respeitou o prazo dado pela Constituição para a demarcação.
Barroso ponderou ainda que é preciso indenizar um não-indígena que obteve a terra dos povos originários quando ficar verificada atuação irregular da União, ao conceder uma área que não poderia ser transferida.
Impacto do julgamento
A análise do caso envolve definir se a aplicação da tese sobre fixação da posse de terras indígenas viola ou não a Constituição.
O resultado do julgamento da Suprema Corte terá impactos tanto em processos judiciais em curso que tratam de disputas de terras nessas circunstâncias quanto no procedimento de demarcação de áreas pelo governo federal.
Por Fernanda Vivas, TV Globo — Brasília
Fonte: www.globo.com (https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/09/01/veja-como-votaram-ate-aqui-os-ministros-no-julgamento-do-marco-temporal-placar-e-de-4-a-2-contra-a-tese.ghtml)